Entre Raízes Brasileiras e Memórias Francesas
Teresa Pessoa e o Flamboyant
Originária de Madagascar, a árvore do Flamboyant foi batizada pelos franceses com um nome que evoca luz e intensidade: flamboyer, que significa flamejar. Com suas copas escarlates e exuberantes, tornou-se símbolo tropical na França — um exotismo admirado de longe. No Brasil, porém, ela foi acolhida no cotidiano, integrando-se à paisagem emocional e afetiva de muitas infâncias. Entre elas, a de Teresa Pessoa.
“Lembro-me de subir em seus galhos, de ver a copa cobrir o céu como uma cortina viva. Ele fazia parte de quem eu era”, revela a artista. Décadas depois, ao ver o majestoso Flamboyant de seu jardim precisar ser cortado, Teresa reagiu como só os verdadeiros criadores reagem diante da perda: com arte. Cada galho e raiz foram salvos da extinção para viverem uma nova vida — transformados em esculturas orgânicas, mesas esculturais e objetos de contemplação que celebram a força da natureza e da memória.
Com formação em Artes Plásticas pela FAAP e influências vindas do universo criativo do pai, arquiteto e artista, Teresa cresceu entre o cheiro da madeira e o som de oficinas silenciosas. Seu fascínio pela resina epóxi, com sua transparência e fluidez, se une à madeira reaproveitada num diálogo único: suas obras não tentam imitar a natureza — mas sim honrá-la, traduzindo o que ela foi, o que ainda é e o que pode continuar sendo.
A madeira, para Teresa, é mais do que matéria-prima: é presença viva. “Cada fragmento guarda histórias, pulsações do tempo”, afirma. Os veios, curvas e texturas não são alterados — são revelados. O acaso e o instinto moldam o processo criativo: uma rachadura pede resina; uma forma curva se oferece à escultura. Muitas vezes, é como se a obra se fizesse sozinha — a artista apenas escuta e traduz.
Quando a árvore foi cortada, a dor da perda rapidamente deu lugar a uma lição vinda da própria natureza: “tudo retorna — em novas formas, novas energias, novas cores — sempre preservando sua essência.” Assim, os troncos, galhos e cascas retorcidas do Flamboyant começaram a conversar com Teresa. “O processo é quase uma conversa silenciosa com o material”, conta ela. “Ele me diz o que pode se tornar, e eu apenas escuto.”
O nome Flamboyant, essa palavra francesa que significa flamejante, ganha um eco poético no trabalho de Teresa. Transformar o que seria descartado em algo que flameja em vida nova — com resina cristalina e flores do cerrado preservadas — é mais do que arte: é um gesto de afeto e respeito pela natureza brasileira. A madeira do Flamboyant, em sua persistência e transformação, ensinou-lhe sobre o tempo e a impermanência, sobre florescer com intensidade mesmo em meio à seca.
Suas mesas esculturais e objetos orgânicos parecem conter essa sabedoria antiga. Com veios vivos e curvas livres, as peças dialogam com a luz, com o espaço, e convidam à contemplação e à conexão com o tempo natural. Ao unir madeira abandonada, resina e flores preservadas, a coleção nos chama a ver valor onde antes havia esquecimento. A mensagem é clara e profunda: que a natureza tem memória — e que até o que foi descartado ainda pode florescer.
No diálogo entre Brasil e França — a árvore nomeada pelos franceses, transformada por uma artista brasileira — Teresa Pessoa oferece não apenas objetos de contemplação, mas fragmentos de vida que continuam contando suas histórias, agora com nova forma, nova luz e novo afeto. Sua arte transcende a estética; é um manifesto de consciência ambiental, de continuidade emocional, e da celebração da vida em todas as suas fases. Seu legado, ela espera, será a sensibilidade de olhar para o que é simples, a coragem de ouvir o que é sutil e a escolha de transformar o descartado em beleza durável. Um eco poderoso que ressoa da alma brasileira para o cenário artístico global, flamejando como um Flamboyant sob o sol, mas com a quietude profunda de uma memória eternizada na resina.

