A Mãe como Musa e Modelo

Maternidade na Arte

Nas últimas décadas, a arte feminista trouxe novas perspectivas para a representação da maternidade. Artistas como Mary Kelly, com sua série "Post-Partum Document", e Monica Ventura, retratada por Panmela Castro, abordaram a experiência da maternidade de forma mais pessoal e íntima, questionando os papéis de gênero e as expectativas sociais. Muitos artistas usaram suas próprias mães como musas inspiradoras, como Salvador Dalí, Lucian Freud, David Hockney e Flávio de Carvalho.
A maternidade, além de ser uma experiência biológica, é também um processo de construção identitária. Muitas artistas utilizam suas obras para explorar as transformações que a maternidade provoca em suas vidas, tanto em termos físicos quanto psicológicos. A amamentação, por exemplo, tema tabu durante muito tempo, tem sido abordada de forma aberta e poética por diversas artistas contemporâneas.
Ao retratar a experiência materna, as artistas contribuem para a construção de novas narrativas sobre a mulher e seu papel na sociedade. A obra de No Martins, que celebra a figura da "mãe preta", é um exemplo de como a arte pode ser utilizada para ressignificar a história e dar voz a grupos marginalizados.
A arte contemporânea oferece uma diversidade de abordagens para a temática da maternidade. Desde a representação realista até as experimentações mais abstratas, as artistas contemporâneas exploram as múltiplas facetas dessa experiência, questionando os estereótipos e desafiando as convenções.
Ao longo dos séculos, artistas de diferentes épocas e culturas têm utilizado suas obras para explorar as nuances dessa experiência, revelando a riqueza e a complexidade do vínculo entre mãe e filho. A arte, ao dar visibilidade a essas experiências, contribui para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
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Mary Cassatt

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Mary Cassatt

Mary Cassatt, 1800s

A pintora impressionista americana Mary Cassatt pode não ter se declarado feminista, mas tinha um importante compromisso com pautas que mais tarde seriam defendidas pelo movimento. Além de seu ofício de artista, Cassatt era uma defensora fervorosa do sufrágio feminino, da educação igualitária e das oportunidades de trabalho para ambos os sexos, assim como do cuidado compartilhado dos filhos.
Desde o início, Cassatt decidiu que o casamento e a maternidade eram incompatíveis com sua carreira. Ironia do destino, ela transformou essas restrições sociais em vantagem, especializando-se em cenas domésticas e variações sobre o tema mãe e filhos, sempre com um tom de doçura notável. Sua ousadia em retratar, por exemplo, uma mulher amamentando com o seio nu foi revolucionária, destacando a liberdade em amamentar sem tabu, um passo significativo para a História da Arte.

Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, 1700s

Élisabeth Vigée Le Brun, pintora oficial da rainha Maria Antonieta, é celebrada por seus autorretratos, especialmente "Self-Portrait with Her Daughter Julie (à l’Antique)" de 1789. Nesta obra, Vigée Le Brun se mostra sentada com sua filha Julie em um gesto de ternura e intimidade. Naquele tempo, a arte era dominada por representações grandiosas, e a escolha de Vigée Le Brun de retratar um momento tão pessoal era inovadora. A composição triangular remete à "The Small Cowper Madonna" de Rafael, sugerindo uma união indissolúvel entre mãe e filha. O vestido de um ombro só evoca a antiguidade clássica, reforçando o amor maternal como universal e atemporal.
Este autorretrato carrega uma sutil mensagem política, criado às vésperas da Revolução Francesa, revelando a artista como uma figura materna e autônoma. Na França do século XVIII, as mulheres enfrentavam desafios enormes para serem reconhecidas como artistas. Vigée Le Brun teve inicialmente sua entrada negada na Academia Real, mas em 1783, por decreto real, ela foi admitida. Sua obra desafia as normas de gênero da época e eterniza a figura materna em um período de transformações sociais, celebrando o vínculo inquebrável entre mãe e filho.
Como uma mulher artista na França do século XVIII, Elisabeth Vigée Le Brun teve que trabalhar mais duro para obter acesso à profissão do que um homem com habilidades comparáveis, especialmente porque as mulheres não tinham acesso a aulas de desenho.Embora Vigée Le Brun tenha sido inicialmente negada como membra da Academia, em 1783 o rei da França ordenou que uma exceção fosse feita e a artista se tornou uma das quatro mulheres da Academia. Frente a tantas dificuldades enfrentadas por artistas mulheres na época, é fascinante ( e importante) ver uma pintora tão bem sucedida quanto Vigée Le Brun retratada de forma tão poderosa como mãe.
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Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, 1700s

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Autorretrato de Paula Modersohn Becker

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Monica Ventura por Panmela Castro

Paula Modersohn-Becker, 1906

Paula Modersohn-Becker, um dos ícones do movimento expressionista alemão, foi profundamente influenciada por artistas e movimentos diversos, como Cézanne, Gauguin, o cubismo de Picasso, o fauvismo, a arte japonesa e o renascimento alemão. Casada em 1901 com o pintor Otto Modersohn, Paula enfrentou o desafio de conciliar suas ambições artísticas com suas novas responsabilidades como esposa e madrasta de Elisabeth, filha do primeiro casamento de Otto e modelo de muitos de seus retratos.
Em 1906, Paula decidiu romper com o marido e se mudou para Paris para se dedicar exclusivamente à sua arte. Nesse período, ela produziu cerca de noventa telas em pouco mais de um ano. Apesar de seu retorno eventual ao marido, sua gravidez em 1907 marcou um período de intensa produção de autorretratos. Paula deu à luz aos 31 anos, mas tragicamente, faleceu de embolia pulmonar dezoito dias após o parto, após ser autorizada a levantar-se.
Paula tinha uma premonição de sua morte precoce e estava apreensiva com a gravidez. No entanto, ela se retratou esperando o bebê, capturando a importância desse momento em sua vida. Esta pintura se tornou sua obra mais conhecida e significativa, equilibrando beleza e verdade, imaginação e realidade. Mesmo antes de engravidar, muitas de suas obras retratavam a maternidade e o vínculo indescritível entre mãe e filho, refletindo sua complexa relação com a maternidade.
Durante sua gravidez, Paula escreveu: “Enquanto eu estava pintando hoje, alguns pensamentos me ocorreram e quero escrevê-los para as pessoas que amo. Eu sei que não viverei muito. Mas eu me pergunto, isso é triste? Minha vida é uma celebração, uma celebração curta e intensa.” Essas palavras e suas pinturas revelam a profundidade de seu entendimento sobre a vida, a arte e a maternidade, tornando sua obra eternamente relevante e tocante.
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Barbara Hepworth, 1934

Mother and Child é uma pequena escultura abstrata em pedra da artista britânica Barbara Hepworth, caracterizada por suas formas onduladas e biomórficas. A escultura maior representa a figura reclinada da mãe, enquanto a menor, colocada sobre ela, simboliza uma criança abraçada. Embora sejam elementos escultóricos independentes, mãe e filho parecem ter sido esculpidos da mesma peça, criando uma sensação de unidade e conexão.
Durante os anos 1930, tanto Hepworth quanto Henry Moore utilizaram alabastro de Cumberland em seus trabalhos. A relação entre mãe e filho é um tema recorrente na obra de Hepworth, especialmente no final da década de 1920 e início da década de 1930, refletindo as mudanças em sua própria vida pessoal. Em 1929, ela deu à luz seu primeiro filho, Paul Skeaping, com o escultor John Skeaping. Em 1934, o mesmo ano em que esta obra foi criada, Hepworth se tornou mãe de trigêmeos com o artista Ben Nicholson.
A obra Mother and Child captura a profunda ligação e a intimidade entre mãe e filho, temas que ressoam com as experiências pessoais de Hepworth, tornando sua arte não apenas uma expressão de forma, mas também de sentimentos e vivências humanas.

Uma Narrativa de Amor e Resiliência

A maternidade, através dos olhos e das mãos de artistas ao longo dos séculos, revela uma narrativa rica e multifacetada, que vai além do simples ato de gerar vida. Cada obra, desde os retratos históricos até as interpretações contemporâneas, reflete a complexidade, a força e a beleza inerente ao papel de mãe. Ao explorar essas expressões artísticas, reconhecemos e celebramos a importância da maternidade, mas também o profundo impacto que essas experiências têm na criação e na perpetuação da cultura e da arte. Através da lente da maternidade, vemos uma humanidade compartilhada, onde cada pincelada e cada escultura tornam-se testemunhos eternos do amor, da sacrifício e da conexão que definem a experiência humana.
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O Grande Golpe (2021) de Renata Felinto

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Mãe Preta, de No Martins

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Thaís Basílio, Colo, 2022

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Monica Ventura por Panmela Castro

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