Mãe e Artista
Dayana Trindade
A jornada da maternidade é repleta de desafios, alegrias e descobertas, e para as artistas contemporâneas, essa experiência se entrelaça profundamente com suas criações. A vida de uma mãe e artista envolve equilibrar a paixão pela arte com as responsabilidades e demandas da maternidade, criando um espaço onde ambos os mundos coexistem e se enriquecem mutuamente.
Nessa edição da ArtNow Report, exploramos como a maternidade impacta a vida e o trabalho de várias artistas contemporâneas. Como as mães conseguem conciliar suas duplas jornadas dentro do mercado de arte? Os obstáculos são muitos e o aprendizado ainda maior. Por isso, convidamos artistas mães para compartilhar suas experiências, desafios e inspirações conosco.
Mãe e Artista Extraordinária
Dayana Trindade é uma artista que se move entre as cores vibrantes e as emoções profundas que a maternidade e a natureza lhe proporcionam. Nascida em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Dayana sempre foi apaixonada pela pintura, uma arte que descobriu ainda na infância, colorindo festas familiares e expressando sua criatividade nas margens de cadernos. Embora tenha escolhido seguir uma carreira na enfermagem, especializando-se em Terapia Neonatal, a arte nunca deixou de ser uma constante em sua vida. Foi em Cuiabá, cercada pela riqueza cultural da região, que sua paixão pela pintura ressurgiu com força total.
Dayana começou pintando pedras de rios, transformando-as em objetos de decoração, mas logo expandiu sua paleta para incorporar cores mais vivas e técnicas variadas.
Vamos explorar as experiências e reflexões de Dayana Trindade sobre a maternidade e a arte, desvendando como essas duas facetas se entrelaçam e enriquecem sua jornada criativa.
ArtNow Report: Como você utiliza a arte para expressar suas experiências e emoções como mãe?
Dayana Trindade: Amo a natureza e tudo que ela nos proporciona e o instinto materno é sem dúvida o comportamento biológico que mais me impressiona. Esta predisposição inata para realizar ações que muitas vezes são impulsivas e inconscientes dos animais é algo que sem dúvida me estimula a observar mais a natureza e a beleza dos seres vivos. Muitas de minhas obras foram reveladas após a maternidade, como a experiência de avistar um bando de macacos que passeavam pelas árvores do cerrado pantaneiro e ter o encantamento de avistar a macaca mãe com seu filhote no meio do bando. Minha percepção de encantamento se deu por esta cena a ponto de sonhar com a imagem e só conseguir me apaziguar com àquela contemplação após transcendê-la na tela.
ArtNow Report: Quais são as maiores lições que a maternidade trouxe para sua arte?
Dayana Trindade: Sinto que a arte está amadurecendo assim como a mulher mãe. A pesquisa e trabalho cotidiano atrelado a responsabilidade da criação e a libertação de crenças, me fizeram explorar mais as técnicas de trabalho no mundo da arte. A amamentação é sem dúvida um instrumento potencializador das cores que uso. Muitas obras que escolhi fazer se revelaram após a amamentação. As realidades e as novas circunstâncias daquele gesto tão “simples”, que exigem uma complexa rede de fatores me fizeram desenvolver uma habilidade antes desconhecida por mim. A habilidade de fazer uma coisa de cada vez! É um ato que não podemos terceirizar ou deixar para depois. Hoje, após ter filhos já adolescentes, contemplo esse gesto de uma forma muito mais significativa. Percebo que as obras que externei, contando as histórias de mães amamentando, são visualmente mais explosivas em cores e em entusiasmo. A maternidade me fez observar detalhes que antes pareciam desinteressantes aos meus olhos, como a obra que fiz de uma indígena amamentando um menino em uma praça.
ArtNow Report: De que maneira a maternidade influenciou sua visão sobre a arte e a criatividade?
Dayana Trindade: Todos sabemos que a vida de uma mãe não é fácil. Nos contos de fadas e nas brincadeiras infantis com bonecas, parecia muito mais tranquilo e apaziguador. Mas, quando nos deparamos com o cotidiano da maternidade, percebemos o quanto é estressante e desafiador. É uma complexa barreira de narrativas prontas, encontros e desencontros, expectativas e realidades e a intensidade de emoções que experimentamos na maternidade é apaixonante, ou seja, para nós mães artistas, é pura inspiração!
ArtNow Report: Existe algum momento específico em que a maternidade inspirou diretamente uma de suas obras?
Dayana Trindade: Fui convidada a realizar uma obra sob encomenda para um cliente que solicitou uma grande tela de uma família de onças pintadas. A obra seria um presente para seu filho e ele queria que ela transmitisse o amor de sua mãe por ele. A tela de 1,50cmx1,50cm foi para mim, a expressão mais pura do cuidado materno que apresentou uma mãe onça com seus dois filhotes.
ArtNow Report: Como você vê a interseção entre suas responsabilidades como mãe e sua prática artística?
Dayana Trindade: A responsabilidade de ser mãe é sem dúvida um instrumento potencializador promissor para um crescimento emocional. Acredito que é um trabalho que carrega uma enorme carga emocional. Concordo com a ideia de que não importa o que alcancemos na carreira, se a vida em casa não estiver nos trilhos, encaramos isso como um fracasso moral. A culpa emocional da mulher pode ser esmagadora e pode se tornar um fator relevante para o declínio profissional. Nós mulheres, crescemos neste papel doméstico e está enraizada em nossos modos de criação. Contudo, em retrospecto, o percurso da experiência como mãe nos fortalece, nos entusiasma diariamente e nos ensina a não desistir. Esta persistência e resiliência cria uma ressignificação do trabalhar artístico. A experiência hoje de ser artista plástica é muito mais completa.
ArtNow Report: Como você utiliza a arte para expressar suas experiências e emoções como mãe?
Dayana Trindade: As cores vivas, vibrantes e contrastantes refletidas na obra é uma atitude que subconscientemente pode estar vinculada a minhas experiências como mãe. O impacto das relações que tenho em meu dia a dia, os estímulos e aprendizados diários está atrelada ao movimento do meu pincel e espátula.
ArtNow Report: Quais são suas principais fontes de inspiração na criação de arte além da experiência de ser mãe?
Dayana Trindade: Durante a criação das obras, faço sempre um estudo que permeia alguns fatores como a motivação que me fez realizar aquela obra, que pode ser uma encomenda, um evento, uma viagem ou uma observação no cotidiano. Outro fator que contribui para a criação é o local de criação. Tenho meu ateliê para realizar as pinturas, mas, muitas vezes, pinto em lugares que me fazem ficar mais perto dos meus filhos, como na sala de tv, onde fico pintando e ouvindo minha filha estudar, ou no rancho, onde pinto no barco enquanto meu marido está pescando. O último fator é o tempo que tenho para finalizar àquela criação. A inspiração pode acontecer e a necessidade interna de terminar a obra pode as vezes ser um gatilho para finalizar uma única tela em um dia ou em meses. A demanda crescente na criação moderna dos filhos é uma força externa que pode ser benéfica para a inspiração, mas também pode entrar em colisão com o momento criativo. Esperar o melhor momento para pintar e se conectar exclusivamente com a obra é algo que para uma mãe com filhos ainda dependentes, é sem dúvida desafiador. Antes, eu procurava o melhor momento, o mais silencioso, o mais harmônico para a criação. Hoje, percebo que este momento não me realiza como artista. Aguardava todos irem dormir para pegar o pincel, hoje, com a jornada de mãe, adaptei as melhores estratégias, que servem para mim, na jornada artística.
ArtNow Report: Existe algum projeto específico que nasceu a partir de suas experiências como mãe?
Dayana Trindade: Lembro-me que a primeira vez que realizei uma pintura sendo mãe, foi com o uso de tintas escolares a qual tinham sobrado do material escolar dos meus filhos, utilizei estas tintas para pintar algumas pedras que peguei no jardim. Com essas pedras pintadas realizei a minha primeira experiência artística profissional. Se tratava de uma exposição coletiva de artes, a qual participei como integrante, em vez de observadora. Tive o prazer de expor minhas pinturas ao lado de artistas regionais importantes do estado. Com o estudo frequente, os projetos foram ampliando, as encomendas foram surgindo e a primeira exposição individual aconteceu após finalizar um conjunto de obras que contavam a história da nossa chegada ao estado de Mato Grosso. Com o tempo, adquiri uma plateia em casa, que se acostumaram a ver a mãe e esposa pintando, criando e desenvolvendo arte. E sei que isso tem repercussões benéficas na criação dos meus filhos. Eles crescem visitando espaços de cultura e arte e estão gostando a ponto de quando realizamos viagens para outras cidades, eles sempre pedem uma visita a um museu da cidade. E para mim, é muito gratificante saber que eles realmente gostam.
