Memória em Movimento

Justina D'Agostino

Sou artista visual e meu trabalho transita entre colagem, desenho e pintura. Me movo entre fragmentos, sobras, reaproveitamentos gráficos, como quem recolhe pedaços de memória para montar, camada por camada, um silêncio com forma. Gosto de pensar que trabalho à margem da palavra, mesmo quando ela me ronda. O que me interessa não é ilustrar o mundo, mas escutá-lo. Escutar o que ele ainda sussurra, o que ficou, o que insiste em voltar, mesmo sem nome.
Pintar, para mim, é como escrever. Cada traço é uma frase sem palavras. Cada camada, uma reescrita silenciosa. Os trabalhos nascem assim: entre o gesto e a pausa, entre o que surge e o que se apaga, como se o suporte fosse uma página em branco onde o tempo, em vez de passar, se assentasse. Camada sobre camada. Presença sobre ausência.
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O sentir do não feito
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Fragilidades - As fechaduras se romperam - Os varais quebraram - O corpo esmoreceu
Tenho usado tinta a óleo sobre papel como quem revisita lembranças. Como quem tenta nomear o que escapa. As imagens surgem do cotidiano, de leituras, de sobras, de restos de cor, mas também de vazios, de silêncios, de acasos. Às vezes é o papel que me conduz. A textura, as manchas, os acidentes. Então desenho diretamente com o pincel, com o carvão, com o conté. E vou, sem esboço, como quem escuta com a mão.
É assim que trabalho: entre ausências e repetições, entre pequenas permanências e o risco constante de apagamento. Penso que há uma narrativa entre uma imagem e outra. Uma história íntima. Talvez muda. Talvez só visível aos olhos que param para ver. Meus títulos nascem por último, quando a imagem finalmente me diz ao que veio, ou quando me olho nela e percebo o que já estava ali. E nesse processo todo, pintar é meu modo de estar no mundo. É onde encontro abrigo. Mas também onde me exponho. Sempre as duas coisas.

Série Memória em movimento

Com essa série, aprofundo algo que já vinha sendo elaborado, mesmo que sem nome, mesmo que sem forma definida: a costura entre pintura e escrita. Tudo começou com um poema que escrevi em 2014, depois de assistir ao filme Mãe e Filha, de Petrus Cariry. As imagens do filme me atravessaram como uma lembrança que não era só minha, mas que me fazia lembrar de mim mesma. De algo esquecido. De algo que não aconteceu. O poema se chama O sentir do não feito. E talvez seja isso que essa série toda esteja tentando fazer: sentir o que não foi.
Memória em movimento é um desdobramento, mas também é retorno. É tentativa de olhar o presente, essa tela ainda em branco, sem apagar as marcas do passado. Observo o cotidiano. Vivo o cotidiano. Relato o que ele deixa em mim. Os gestos, os silêncios, o que resiste, o que se transforma. Tento reconhecer nas coisas mais simples uma escuta possível das singularidades. Acredito que essas singularidades estão sempre por serem descobertas, de novo e de novo, desde que se mude o olhar. Desde que se tenha tempo. Desde que se insista. E é nesse deslocamento do olhar que ainda encontro a chance de acreditar. Que ainda pode haver permanências que merecem cuidado. Que ainda pode haver mudanças que precisam acontecer.
Em um momento em que tanto se perde, em que tanto se destrói, senti que precisava voltar ao que me é essencial. Pintura e poesia sempre estiveram comigo. E agora caminham juntas nesta série, como dois modos diferentes de dizer a mesma coisa que não se diz. Entre a infância e a adolescência, há imagens. Imagens que se sobrepõem, que se fragmentam, que voltam com outra cara. São essas imagens que se oferecem agora, talvez como matéria de reflexão. Talvez como vestígio. Talvez apenas como escuta.
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Entre tempos
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Em movimento
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Resgate de memórias 1 - Rupturas
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Resgate de memórias 2 - Entre passado e presente
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Resgate de memórias 3 - Espaço de transformação
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Resgate de memórias 4 - Conciliações

Justina D'Agostino

Graduada em arquitetura pela FAAUSP em 1977, Justina iniciou sua incursão no mundo da arte em 1983, onde desde então vem construindo uma trajetória repleta de realizações e reconhecimento.
Seu interesse pelas artes plásticas transcende o mero domínio técnico, impulsionado por uma profunda convicção na capacidade da arte de conectar pessoas através de seus desenhos. Para Justina, suas obras são convites para explorar um mundo de narrativas e conexões, onde as linhas traçadas se convertem em pontes entre diferentes perspectivas e experiências.
O estilo artístico de Justina é intrinsecamente ligado à sua visão de mundo, refletindo uma fusão de observação meticulosa e interpretação criativa. Seu processo de pintura é uma espécie de diálogo constante com o entorno, onde pinceladas são reflexões de sua percepção sensível dos elementos que a cercam. Como uma escritora de histórias visuais, ela transforma suas experiências cotidianas em composições vívidas, destacando nuances e detalhes que capturam a essência do momento.
Suas obras, marcadas pela beleza e pela profundidade emocional, são testemunhos da sua busca incessante pela expressão autêntica e pela conexão humana.
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