A Pele da Imagem, a Cicatriz da Tinta
Isabella Leme
Certas imagens não se contentam com a superfície da tela; elas se inscrevem diretamente na pele do nosso tempo, marcando-a com os silêncios, as feridas e as resistências da nossa era. A arte de Isabella Leme Villalpando pertence a essa linhagem visceral. Com uma formação que entrelaça a tridimensionalidade da animação 3D à matéria ancestral da pintura, gravura e escultura, Isabella constrói uma linguagem onde o corpo – especialmente o feminino – é o território primordial de investigação, afeto e denúncia.
Isabella combina a ancestralidade do gesto com a linguagem contemporânea da imagem. Seu trabalho é híbrido, mas não fragmentado: é inteiro em sua pluralidade, como um corpo marcado, que ainda assim dança.



Desde seus primeiros experimentos na faculdade, Isabella demonstrava que sua arte não seria ornamental. Usava nanquim como quem escreve cartas urgentes. Sopros de álcool sobre o papel criavam feridas visuais, enquanto canudos transformavam a mancha em mapa, víscera ou resíduo. A técnica, aqui, não é um fim em si mesma, mas uma extensão do que não cabe em palavras: a experiência do corpo feminino como campo de batalha simbólica e literal.
Entre os temas que se impõem com força em sua produção estão os relacionamentos abusivos, o feminicídio, a dor psíquica e o modo como essas violências se inscrevem na carne e na memória das mulheres. Isabella não embeleza essas narrativas — ela as encara. Sua pintura não oferece consolo fácil, mas uma espécie de espelho rasgado, onde a fragilidade encontra sua força e a vulnerabilidade se transforma em resistência estética.
Isabella não embeleza essas narrativas — ela as encara. Sua pintura não oferece consolo fácil, mas uma espécie de espelho rasgado, onde a fragilidade encontra sua força e a vulnerabilidade se transforma em resistência estética, muitas vezes ancorada na potência simbólica e na resiliência espiritual de matrizes africanas.
A criação, para Isabella Leme Villalpando, parece ser esse rito íntimo que se desdobra em ato político. Cada obra é um fragmento de sua escuta do mundo, uma tradução sensível das feridas e das forças que nos constituem. Ela nos lembra que a arte pode ser um espelho incômodo, mas também um bálsamo necessário; que a mancha pode ser cicatriz, mas também portal; e que o corpo feminino, tantas vezes violentado e silenciado, pode ser, na tela e na vida, território de reivindicação, beleza e indomável resistência. Sua obra não apenas retrata, ela pulsa.

