A Ecologia do Gesto
Ellis Monteiro
A arte de Ellis Monteiro é um ato de ecologia profunda, praticado não em manifestos, mas no silêncio de um ateliê onde a argila ainda guarda a memória da floresta. Sua conexão com a Amazônia não é temática, é ontológica. Ela não representa a mata; ela dialoga com o barro, e é nesse diálogo primordial que a pulsação da floresta se revela. Para Ellis, a arte é um sistema respiratório: “A minha respiração”, confessa, “se conecta à respiração dos animais, das árvores, plantas e rios”. Seu processo criativo não é produção, é simbiose.


Essa sintonia fisiológica é a chave para acessar o que ela chama de "ancestralidade vinculada" entre a terra que molda e a floresta que respira. Sua técnica, o pinch pot, transcende o ofício para se tornar um ritual de escuta. O gesto ancestral dos dedos que pressionam e orientam a argila é um ato de arqueologia afetiva, uma forma de ajudar o barro a se lembrar de sua origem comum com as raízes e as folhas. Ela não impõe uma forma; ela ausculta o sussurro da matéria.
Ellis não copia a floresta — ela a absorve. Suas obras não são "inspiradas na natureza", mas habitadas por ela. São brancas como o silêncio das manhãs úmidas e frágeis apenas na aparência: como a floresta, resistem ao tempo, ao toque e ao olhar. Há nelas o mistério de quem caminha para recolher silêncios e a coragem de quem aceita deixar a natureza completar o que o gesto humano começou.


É dessa escuta que surge sua filosofia da "casca", a metáfora central que define sua obra. Suas cerâmicas são películas, frágeis e resistentes, que guardam o gesto, a imperfeição e a passagem do tempo. Diante da emergência amazônica, essa ideia se expande para uma escala planetária. A própria Amazônia é a grande casca do mundo, e a arte de Ellis se torna um exercício de solidariedade. O que suas pequenas cascas guardam? A resposta é um programa para o futuro: “certamente guardam as sementes de um futuro possível”. Suas cumbucas e baús se transformam em arcas poéticas, gestos de uma fé radical na germinação.
Para esta edição especial da ArtNow Report dedicada à Amazônia, Ellis apresenta a coleção “Vagem” — um conjunto de peças que explora a horizontalidade como gesto simbólico e físico. Suas bordas se contraem e se expandem, evocando o instante em que a semente encontra seu abrigo. Modeladas uma a uma em argila escura, deixam expostas as texturas do barro cru e a marca dos dedos que as moldaram — como se o corpo da artista permanecesse impresso na superfície. As “Vagens” não apenas contêm: elas acolhem. São recipientes de potência, como os próprios frutos da floresta.



Quando questionada sobre o que espera que floresça de suas peças, sua resposta é o manifesto mais poderoso e humilde: “Espero que floresça a sensibilidade”. Suas cascas de argila são sementes de percepção, depositadas em nossas mãos com uma missão: nos ensinar a perceber o mundo para que possamos, junto com ele, voltar a respirar.

