Entre texturas e sentimentos
a jornada de Carina Melo na arte contemporânea
A arte de Carina Melo opera a partir de uma inversão fundamental. Enquanto a pintura tradicional busca congelar um instante de luz, sua obra constrói a arquitetura para que a luz jamais pareça estática. Suas telas não são representações, são dispositivos fenomenológicos: superfícies inteligentes, esculpidas com relevos e texturas, projetadas para revelar a passagem do tempo. A luz não é o que ilumina a obra; é a matéria-prima com a qual a obra se refaz a cada momento.


A gênese de seu trabalho é uma lúcida rejeição da imagem literal. “Numa era em que a tecnologia é capaz de capturar paisagens com precisão”, afirma a artista, “não me proponho a pintar exatamente o que vejo. Gosto de expressar como me sinto”. Essa declaração é a chave para decifrar sua metodologia. Ela não pinta a natureza, mas a sua impressão sensorial: a memória tátil do vento, a geometria orgânica das marés, a pulsação silenciosa da terra. Suas telas são a materialização do que resta quando a imagem se apaga e apenas a sensação permanece.
Para isso, a textura é sua sintaxe. Com a pasta acrílica, ela transforma a superfície bidimensional da tela em uma microtopografia, um relevo sutil que funciona como um mapa para o olhar e para a luz. Cada sulco, cada elevação, é uma decisão calculada para gerar um “jogo encantador de luzes e sombras”. A obra se torna um organismo vivo, que respira com o ambiente, contraindo e expandindo suas nuances conforme o sol percorre o céu. É uma arte em estado de fluxo perpétuo.
Seu minimalismo estético não é uma ausência, mas uma estratégia de amplificação. Ao reduzir o vocabulário cromático e formal, Melo cria um silêncio visual que aguça os sentidos. O olhar, livre da distração da cor, é forçado a perceber o que há de mais sutil: o movimento da sombra sobre o relevo, a vibração da luz, a própria respiração do espaço.
O propósito final, portanto, é a engenharia de uma atmosfera. Suas obras são concebidas não para serem vistas, mas para serem habitadas pelo olhar, gerando uma "sensação de leveza, paz e serenidade". Essa tranquilidade não emana de uma representação idílica, mas da rara oportunidade de testemunhar a passagem do tempo inscrita na matéria. A arte de Carina Melo oferece, assim, o antídoto à fugacidade da imagem contemporânea: não o registro de um instante, mas a experiência do próprio instante se desdobrando.




