O Coronel, o Artista e a Alma da Floresta
Armando Paolillo Jr.
A arte de Armando não começa com a primeira pincelada, mas com as três décadas de vivência que a precederam. Após uma carreira de 32 anos na Polícia Militar, onde o mundo se revela em sua complexidade mais crua, ele se entregou à arte. Mas essa não foi uma simples troca de ferramentas; foi a fusão de dois mundos. Do rigor da farda, ele trouxe a disciplina e a precisão do olhar; da arte, absorveu a entrega e a dúvida. Assim nasceu um realismo simbólico de técnica apurada e mensagem enigmática, fruto de um homem que passou a vida observando antes de ousar traduzir em cor e forma.



Quando seu olhar se volta para a Amazônia, ele carrega essa bagagem inteira. Sua visão da floresta é despida de romantismo fácil. Forjada na compreensão das intrincadas teias de poder, ela vai além do discurso ambientalista para tocar nas camadas subterrâneas de interesses políticos e geopolíticos que habitam o verde profundo. Mas se há crítica, há também reverência. Paolillo não busca capturar um cenário idílico: ele dialoga com um mundo à parte, um lugar de imensidão, grandiosidade e mistério.
Na obra criada especialmente para esta edição da ArtNow Report, a onça é mais do que um animal retratado — é arquétipo. Representa o poder ancestral da floresta, o equilíbrio preciso entre força e silêncio, instinto e presença. Não ataca, não recua: observa. Como se dissesse, com um olhar lento e seguro: “Estou aqui há muito mais tempo que você. E estarei depois.” Nesse jogo de olhos, a Amazônia deixa de ser pano de fundo e se torna personagem. Mais do que “meio ambiente”, revela-se entidade — e entidade atenta.
Paolillo não pinta para exibir virtuosismo, embora sua técnica impressione. Ele pinta porque precisa traduzir o que não cabe em palavras. Sua arte é tentativa de mapear territórios invisíveis, de tocar consciências que respiram sob folhas e raízes. Para ele, a floresta é inteligência pulsante, organismo que pensa, sente e reage.
Não há na sua obra discurso panfletário. O que existe é respeito, encantamento e silêncio. Cada pincelada parece uma oferenda à mata, um gesto de humildade diante do que não se pode medir nem dominar. Ao transformar a onça em símbolo, Paolillo reconhece que símbolos não se esgotam — apenas se multiplicam em interpretações.



Entre o Coronel e o Artista, venceu o homem que ousou olhar com outros olhos. Que deixou a trincheira para caminhar desarmado pela alma da floresta. E que agora nos convida a fazer o mesmo. Porque há perguntas que só a arte é capaz de formular. E há olhares — como os da onça de Armando — que nunca deixam de vigiar.

