Recortes do Pará
Andréa Noronha
Natural de Belém do Pará, Andréa tem sua trajetória marcada pela floresta em toda sua complexidade. Suas telas capturam a essência da terra molhada, o peso úmido do ar e a luz que atravessa as copas das árvores. Não há idealização em sua arte — há vivência. Seu olhar não é de visitante, mas de quem compreende e respeita, com afeto e reverência, o território que a formou. "Tudo aqui me inspira", diz ela. E essa afirmação se torna visível em cada gesto artístico que executa, seja com pincel ou com a lente.



O figurativo cede espaço ao abstrato porque, como ela sabe, a complexidade da Amazônia não cabe em uma única imagem. Suas telas se tornam o campo onde a "fluidez de cores vibrantes e dourados solares" expressa não o que ela viu, mas a energia que sentiu. A pintura é uma síntese da luz, do cheiro, do calor, do som. O abstrato, para Andréa, não é fuga: é uma escolha estética. Um modo de deixar que as formas fluam como os rios que cruzam o Pará. Um modo de permitir que as cores comuniquem o que as palavras falham em descrever.
Na fotografia, ela encontrou a linguagem para a investigação do instante e da memória. Trabalhando com técnicas como a dupla exposição, Andréa constrói imagens que operam com a sobreposição de sentidos — fé e cotidiano são combinados em camadas visuais. Nela, as árvores ganham a dimensão de muralhas vivas; as flores que brotam do lodo, símbolos de resistência; os barcos, as veias que alimentam a vida de um povo. Seu ensaio “Recortes do Pará” é, portanto, mais que uma coletânea de registros: é um manifesto visual que revela o Pará como um lugar de grande sensibilidade, onde a natureza é uma força cotidiana.
Andréa entende a arte não como um ato isolado, mas como um processo contínuo de conhecimento. O que suas mãos produzem é o resultado de tudo o que sua experiência absorve: leituras, experimentações, diálogos. Sua formação é, portanto, um organismo vivo — como a própria floresta. É nesse processo de constante reinvenção que sua obra ganha densidade, um amadurecimento agora articulado sob o olhar do curador Jair Rabindranath Tagore Junior, cuja parceria consolida a passagem da artista da pura intuição para a estruturação consciente de sua própria linguagem.
A Amazônia, em sua obra, não é apenas celebrada — é investigada. Andréa não a retrata como um paraíso exótico, mas como um organismo-território que respira, adoece e resiste. E é essa postura de análise crítica que torna sua arte tão necessária: porque, ao contemplá-la, o espectador recebe não apenas uma imagem, mas um questionamento que o envolve.




Talvez, no fundo, o que Andréa Noronha faz com suas imagens — tanto pintadas quanto fotografadas — é apresentar uma reconstrução afetiva de um território que insiste em sobreviver. Um território onde o tempo segue seu próprio fluxo, onde a fé ganha cor, e onde a arte pode, sim, ser uma forma de reexistência.

