A Amazônia como Arquétipo Matriarcal
Keila Pommer
Em um mundo saturado de ruídos, a arte de Keila Pommer percebe. Não com os ouvidos, mas com a alma — essa parte ancestral de nós que ainda se comove diante do sussurro de uma folha em decomposição ou do silêncio solene de uma raiz que se estende em busca de vida. Em suas obras, a floresta não é cenário: é personagem, é ventre, é verbo em estado bruto.



Keila pinta como quem oferece reverência. Cada gesto sobre a tela é uma espécie de oração — não uma súplica, mas um reconhecimento: nós não somos senhores da natureza, somos filhos dela. E é nesse reconhecimento que sua obra se ergue: como quem planta uma ideia, cultiva uma memória ou devolve à mata a dignidade que lhe foi tirada.
A Amazônia, para Keila, é uma mãe exausta, mas ainda amorosa. Se fosse retratada por ela, teria cabelos espessos como as copas das árvores, olhos escuros como os igarapés e pele em tons de terra — essa derme planetária que abriga tudo. A artista a vê como uma entidade generosa, mesmo diante da exaustão. E é essa generosidade silenciosa que ela transborda em suas telas: cores que não gritam, mas se impõem pela presença; silêncios que não cessam, mas ensinam.
Seu fazer artístico não é apenas estético, é ético. Ao representar povos originários e elementos da floresta, Keila nos convida a refletir sobre o papel desses guardiões naturais — homens e mulheres que não possuem a terra, mas pertencem a ela. Sua obra transforma-se, então, em denúncia sutil e poesia crua, onde o figurativismo humano se funde à ancestralidade e à resistência.
A força de um rio e a delicadeza de uma folha não são contradições em seu trabalho, mas paralelos simbióticos. O rio, intenso e instintivo, flui como a coragem. A folha, discreta e essencial, nos lembra da delicadeza vital. Ambas habitam o imaginário de Keila — como metáforas visuais de sua própria jornada artística: uma artista que transita entre a firmeza e a suavidade, entre a denúncia e o encantamento.
Se pudesse passar um mês dentro da mata, Keila pintaria a Samaúma — não apenas pela grandiosidade, mas por tudo que ela representa: resistência, ancestralidade, presença. E talvez seja essa a missão silenciosa da artista: pintar a floresta para que ela não desapareça da nossa consciência, para que seus ensinamentos sigam ecoando mesmo quando o mundo insiste em esquecê-los.
Ao olhar suas obras, somos convidados a um mergulho. Não em rios, mas em verdades. A Amazônia que Keila oferece não é a que se vê nos mapas ou nas estatísticas. É uma floresta simbólica, viva, latente — um organismo artístico que pulsa com cor, memória, dor e esperança. E que, acima de tudo, nos lembra que preservar não é um gesto nobre, é um gesto necessário.

