Epifania na Floresta
Adriana Soares
Com uma sensibilidade ímpar, Adriana Soares inscreve em sua obra uma poética refinada, onde o silêncio ancestral da floresta amazônica dialoga com as memórias do Velho Mundo. Através da leveza da aquarela e da densidade simbólica de suas composições, a artista traduz, em cor e forma, a complexidade sutil da existência.



Nesta edição especial da ArtNow Report dedicada à Amazônia, Adriana Soares mergulha em um território afetivo e simbólico. Inspirada pelas fotografias de Sebastião Salgado, ela volta seus olhos — e seu coração — para as mulheres indígenas, não apenas como habitantes da floresta, mas como as próprias raízes da história brasileira. O que a tomou nos registros de Salgado não foi a dor, mas a beleza; uma beleza “humana, ligada à resistência, à dignidade e à conexão profunda com a terra”. É essa força indomável que guia seu processo, que se revela um gesto de profunda reconexão. “Mergulhar nesse universo foi, para mim, também um mergulho nas minhas próprias memórias”, confessa a artista, cuja sensibilidade foi moldada por “Tina”, como chamava carinhosamente Maria Florentina, a mulher de origem indígena que foi o esteio de sua família no Mato Grosso. Os olhares que ela pinta não são os do "outro"; são ecos da dignidade e dos ensinamentos silenciosos que a formaram.
Em suas obras inspiradas na Amazônia, a artista não apenas retrata, mas escuta. Escuta o som das folhas, decifra o olhar das mulheres silenciadas, evoca a memória dos pássaros salvos da devastação. Pássaros que, quando criança, viviam com ela em casa — tucanos, araras, pequenas vidas arrancadas da floresta e acolhidas como parte da família. Esses elementos não são apenas temas visuais: são símbolos vivos de uma infância entre o concreto da cidade e o caos sublime da natureza. Sua arte e natureza, portanto, coexistem — como respiração e poesia.
Conhecida por sua precisão, talvez um eco de sua formação em odontologia, Adriana não impõe ordem à natureza — ela a respeita. Se Versailles, com seus jardins meticulosamente planejados, inspira sua série “Flores Europeias”, a floresta a ensina que há uma beleza ainda mais potente no improviso do mundo natural. “Se Versailles me inspira pela disciplina e pelo rigor, a floresta Amazônica me inspira pela liberdade e força vital”, reflete. Sua arte sensível e poética nos prova, a cada traço, que “a arte pode habitar tanto na simetria perfeita quanto na assimetria lírica e única da natureza selvagem”.


A Amazônia, em sua obra, não é um conceito distante — é um território emocional. É terra, memória, reverência e talvez, um silencioso alerta. Adriana Soares transforma paisagens internas em paisagens visuais. Ao revisitar Salgado e homenagear o feminino indígena, ela também visita sua própria história, sua origem, sua missão. Entre cores metálicas e transparências sutis, entre Maria Antonieta e Maria Florentina, entre jardins franceses e florestas tropicais, a artista constrói uma ponte delicada entre mundos aparentemente opostos. E assim, sua arte não apenas ocupa espaços. Como a própria Amazônia, ela os transforma.

