A Cerâmica como Gênese
Adriana Chamma
Diante da vastidão silenciosa da crise amazônica, a artista Adriana Chamma recusa a denúncia literal e mergulha na força ancestral. Sua nova e poderosa escultura em cerâmica, "O Grito do Renascimento", é uma obra que nasce como um organismo vivo, um grito silencioso contra a amnésia das árvores derrubadas.
A peça se desdobra em um encontro simbiótico, uma fusão orgânica entre o humano e o vegetal, onde as formas são, ao mesmo tempo, "raízes que buscam nutrir e tentáculos que anseiam por explorar". No coração desta narrativa visual, a artista dá à luz dois guardiões para o nosso tempo: Kairós, emergindo das raízes arrancadas, simboliza a chance de um recomeço que brota da própria cicatriz. Ananke, coroada por ramificações, personifica a força inevitável da vida e a memória que não pode ser apagada. Juntos, eles nos lembram que o destino da Terra e o nosso estão interligados.


Essa profundidade conceitual é a marca de uma artista cujo olhar foi treinado para unir estética e funcionalidade. Adriana é uma designer e ceramista paulista que, após se formar em Desenho Industrial pela FAAP, aprofundou seus conhecimentos em arte e moda na Universidade Central Saint Martins, em Londres. Em 2025 participou da Semana de design de Milão com suas obras. Seja em suas luminárias inspiradas na zona Abissal ou em suas peças utilitárias, Adriana cria obras que nascem de escuta, afeto e intenção. Uma cerâmica que não é só objeto: é resposta. Presença. Gesto.
A escolha da cerâmica como veículo para essa gênese não é acidental. O barro, a "matéria primordial", é o único material capaz de contar essa história. O esmalte em tons terrosos e verdes conecta a escultura diretamente à pele da floresta. É a materialização da pergunta que a própria obra nos faz: onde termina o corpo e começa a paisagem?
A Arte Sob Medida
A obra de Adriana Chamma é um gesto de conexão intuitiva. Cada peça que nasce carrega mais do que forma: carrega afeto, intenção e identidade. Em suas mãos, a cerâmica se transforma num território de encontros, onde arte e pessoa se reconhecem, moldando juntas uma obra que não se repete, nasce de um vínculo único.
Ao criar um jogo de xadrez cerâmico exclusivo, uma coleção de jantar inspirada nos contornos do Ibirapuera ou uma escultura íntima para um espaço particular, Adriana faz mais do que atender a um pedido — ela constrói uma narrativa em barro. Suas criações sob medida são, antes de tudo, experiências: cada cliente se torna parte do processo, deixando marcas invisíveis que a artista transforma em superfícies táteis, curvas sensíveis, esmaltes que contam histórias silenciosas.



Essa cerâmica com destinatário rompe com a lógica da produção em série e convida à contemplação da singularidade. Cada peça sob medida é como uma resposta — a uma memória, a um desejo, a uma ideia que ainda não tinha forma. Adriana não oferece apenas um objeto, mas uma presença: algo feito para pertencer, para habitar um espaço.
Sua prática revela que a verdadeira sofisticação está na sensibilidade em captar o que não se diz. E sua cerâmica, feita à medida de cada história, é um reflexo daquilo que mais importa na arte: a capacidade de tocar o outro de forma intensa e transformadora.


Na cerâmica de Adriana, matéria e metáfora caminham lado a lado.
Suas criações ultrapassam o objeto para se tornarem linguagem — e nas séries “Abissal” e “Frente Inverso”, essa linguagem nos convida a mergulhos profundos, tanto nas águas mais escuras do oceano quanto nas camadas íntimas da experiência humana.
A coleção “Abissal” nasce de uma imersão simbólica nas profundezas do mar, onde a luz não chega — a não ser pela bioluminescência de criaturas que aprenderam a brilhar sozinhas. Cada luminária dessa série carrega esse paradoxo essencial: escuridão e luz, silêncio e presença, forma e fluidez. As peças evocam o mistério da vida abissal, com curvas orgânicas e texturas que parecem surgir do fundo do mundo.

