Maria Lúcia Montemór
A Arte que Sabe
Enquanto o discurso comum se contenta com metáforas simplistas, a arte de Maria Lúcia Montemór exige uma inteligência mais profunda do olhar. Ela recusa a imagem da Amazônia como "pulmão do mundo" para nos apresentar algo mais complexo: um sistema vital, crucial para o ciclo hidrológico, a regulação do clima e a manutenção da biodiversidade. Sua arte, da mesma forma, opera como um órgão simbólico: não para respirar, mas para circular. Em suas telas, ela cria uma linguagem alicerçada em "células" de cor, um visual carregado de significado que transcende a aparência para investigar a própria essência da vida.



Sua técnica de eleição, o "derramado", é a materialização perfeita dessa filosofia. Em um processo que abraça o fluxo e o acaso controlado, a artista cede parte de sua autoridade à própria matéria, permitindo que a tinta encontre seu curso. A tela se transforma em um leito de rio, onde as cores são depositadas como sedimentos de significado, criando uma topografia própria. Essa abordagem não é acidental; é a escolha ideal para uma artista que vê a Amazônia não como inspiração, mas como "um meio... e um fim" para investigar a complexidade da condição socioambiental.
Dentro de Maria Lúcia Montemór, habitam duas forças em constante e produtiva tensão. De um lado, a Educadora, com sua voz "indignada, rebelde, revoltada", que sente a necessidade de "gritar" e denunciar. Do outro, a Artista, que busca "espaços de equilíbrio, paciência, até mesmo compreensão". A beleza em suas telas não é um escape, mas uma forma de protesto. Como ela mesma entende, a beleza pode ser "provocativa e revolucionária", uma celebração da vida que, em si, é o mais potente ato de defesa de sua existência.
Seu engajamento é alicerçado em conhecimento, não apenas em sentimento. O olhar da artista-pesquisadora vai além da imagem clichê do desmatamento para alcançar as complexidades da biopirataria — os "larápios da nossa biodiversidade" — e para honrar o papel "heroico" dos povos da floresta. Sua arte não apenas sente; ela sabe.
Essa dualidade entre a denúncia e a celebração da vida floresceu após uma longa carreira na educação, e hoje pulsa em obras que circulam o globo, de Madrid a Barcelona, de Paris a Berlim. Em cada exposição, seja no Brasil ou no exterior, sua linguagem — marcada pelo derramado, pelo uso ousado de acrílicas, sprays e espátulas — espalha cores e provoca interrogações. O gesto se torna manifesto; a cor, resistência.


A relação de Montemór com a floresta é, em suas próprias palavras, "simbiótica". A natureza exuberante lhe oferece a matéria e a inspiração para se manter em equilíbrio; ela, em troca, lhe oferece uma voz, transformando a tela em um campo para a reflexão. O que ela espera que o espectador sinta não é uma única emoção, mas um misto complexo que espelha a própria floresta: a percepção da beleza que estamos perdendo, da força que ainda resiste, da responsabilidade que compartilhamos e, acima de tudo, da certeza de "que não está só em seus sonhos, desejos, revolta, indignação"
Percorrer as obras de Maria Lúcia Montemór é, portanto, aceitar um convite à complexidade. É entender que cada mancha de cor é um território de debate, que cada célula pulsante é um microcosmo de vida e que, no silêncio de suas composições, reside o grito mais articulado. Ao final, não se sai apenas com a lembrança de um quadro, mas com a consciência expandida, a incômoda e necessária certeza de que a arte, em suas mãos, não é apenas para ser sentida — é para ser compreendida.


