Quando a pintura escuta a floresta
Rafaella Portella
Não é possível olhar para uma pintura de Rafaella Portella sem sentir que há algo ali que respira — um pulso silencioso, quase mineral, que nasce da fusão entre corpo e paisagem. Suas obras são como janelas abertas para um território onde rios encontram a pele, a lua repousa sobre galhos e o invisível se deixa entrever nas curvas da cor.



Carioca de nascimento, hoje vivendo em Miami, Rafaella leva consigo, em cada pincelada, a memória das cidades e florestas que a moldaram. Aos 16 anos mudou-se para os Estados Unidos, estudou na Miami Arts Charter High School e, mais tarde, aperfeiçoou sua pesquisa no Barcelona Academy of Art, na Espanha. Concluiu seu Bacharelado em Belas Artes pela Barry University em 2025 — e desde então constrói uma obra que mistura técnicas e culturas, mas mantém um coração profundamente ligado à natureza brasileira.
Na superfície da tela, Rafaella trabalha como quem escuta. As camadas de tinta — ora óleo, ora acrílica, ora aquarela — parecem seguir um ritmo próprio, guiado mais pela intuição do que por qualquer método rígido. Há algo de fluxo na maneira como a cor se espalha: um gesto líquido que acolhe o inesperado e deixa que as imagens surjam como se sempre tivessem estado ali, apenas à espera de um olhar que soubesse revelá-las.
A natureza não é, em seu trabalho, cenário. É personagem, é espelho, é pulsação. Em cada figura feminina que se confunde com raízes ou em cada esfera lunar que paira sobre um horizonte abstrato, há um diálogo silencioso entre o humano e o planeta. Essa fusão não busca explicar nada; ela convida o espectador a sentir — e a se reconhecer.
É nesse ponto que sua obra toca a Amazônia. Não como paisagem descritiva, mas como estado de espírito. A floresta, em sua pintura, é metáfora viva: a água que tudo transforma, os ciclos que insistem em se renovar, a exuberância que convive com a vulnerabilidade. Há um chamado para lembrar que, assim como a floresta, também carregamos dentro de nós rios subterrâneos, luas internas, árvores que aprendem a dobrar-se ao vento. Na escolha das técnicas, Rafaella permite que cada material conte uma parte dessa história.


A leveza da aquarela dá corpo ao efêmero; o óleo aprofunda e dá densidade; a cerâmica, quando surge, traz o gesto tátil do barro — um retorno físico à terra. Em todas essas linguagens, uma busca por harmonia: um instante de suspensão em meio ao ruído do mundo.
Ao se aproximar de uma de suas obras, a sensação é de atravessar um portal. Não há pressa, não há ruído. Apenas uma paisagem onírica que oferece ao espectador um raro presente: a chance de silenciar e respirar. Nesse espaço, somos convidados a enxergar o que a pressa não permite ver: que tudo — a floresta, o cosmos, o feminino, o corpo — está intrinsecamente ligado.
Talvez seja essa a maior contribuição de Rafaella Portella para esta edição especial da Amazônia: nos lembrar de que a arte pode ser um lugar de retorno. Um lugar onde o olhar encontra abrigo e, ao mesmo tempo, se expande para algo maior do que nós.
Em tempos em que a floresta pede urgência, suas pinturas pedem presença. E, ao nos fazer parar, talvez nos devolvam aquilo que esquecemos: o sentido de pertencimento.

