Arte em Estado de Alerta

Zilah Garcia

A voz artística de Zilah Garcia nasce de uma rara tecelagem de mundos. A artista, que teve seu primeiro contato com a matéria no ateliê de porcelana da mãe, atravessou uma sólida carreira no universo têxtil, onde a precisão da costura e a linguagem das texturas se tornaram sua segunda pele. O chamado da arte, no entanto, a levou a uma nova imersão: estudou afresco em Firenze, aprofundou-se na aquarela, e encontrou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage — epicentro da arte contemporânea carioca — o terreno para a maturação de sua pesquisa conceitual. É nessa intersecção, entre o gesto herdado e a investigação intelectual, que sua arte encontra sua potência singular.
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A arte de Zilah não representa a paisagem; ela apresenta seus vestígios. Em seu ateliê, a terra não é usada como pigmento, mas como corpo, e o plástico não é apenas um material, mas uma testemunha. Sua prática é uma forma de arqueologia do nosso tempo, uma escavação paciente do que a sociedade descarta — tanto o lixo material que sufoca o planeta quanto a ansiedade psicológica que essa realidade nos impõe.
O plástico, em suas mãos, transcende sua condição de resíduo para se tornar linguagem. Zilah subverte a lógica do consumo ao transformar o efêmero em permanência: a sacola, projetada para o uso imediato mas condenada a uma quase eternidade no ambiente, é resgatada e inscrita no tempo da arte. Cada fragmento carrega uma história. Ao refletir sobre os chinelos que encontra, com a marca do pisar ainda impressa, ela não vê apenas lixo, mas "perguntas em forma de matéria". Quem era essa pessoa? Como ela voltou para casa? Pensou no impacto de seu gesto? Sua arte, portanto, é um ato de escuta dessas narrativas silenciosas.
Essa mesma sensibilidade se aplica à terra, que para Zilah se tornou linguagem ainda na infância, na olaria da fazenda do avô. Redescoberta através da literatura de Euclides da Cunha, a terra em suas obras é "testemunho e resistência". As rachaduras que marcam suas telas não são meros efeitos estéticos; são espaços abertos à interpretação do espectador. Como a artista mesma sugere, citando Barthes, cada fenda pode ser "uma cicatriz, um mapa ou algo que só o outro poderá nomear", uma recusa a impor um único sentido.
É com essa bagagem que ela olha para a Amazônia, não como um bioma isolado, mas em diálogo com outros Brasis. Para ela, a aridez do sertão e a abundância da floresta não são opostos, mas expressões da mesma "força ancestral", da mesma lógica de "ciclos, transformação e resistência". E a Amazônia, assim como o sertão, está sendo "embalada para descarte". Sua arte responde a isso usando o próprio plástico, símbolo da negligência, para criar imagens que não podem ser ignoradas.
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No fim, a obra de Zilah Garcia é um gesto de reparo, um antídoto contra a paralisia da ecoansiedade. Ao imaginar costurar folhas perecíveis da floresta com o plástico permanente, ela aponta para uma cura que nasce da tensão entre natureza e artifício. Sua arte não oferece uma solução grandiosa, mas algo mais honesto: um testemunho íntimo. Talvez o propósito de sua obra não seja dar uma resposta, mas fazer uma promessa. Quando questionada sobre o que diria à floresta, sua confissão revela a força motriz de todo o seu trabalho:
“Juro, floresta, eu estou tentando. Com passos pequenos, ouvidos abertos e um coração inquieto — tentando retribuir tudo que recebo de ti, mesmo sem saber se consigo.”
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