Contas que Contam a Floresta
Elaine Pessoa
Não busque em Elaine Pessoa a paisagem como um cartão-postal. Em seu universo, a floresta não é cenário, mas entidade: respira, pulsa e guarda em si as memórias do tempo. Para a edição especial Amazônia da ArtNow Report, mergulhamos em “Imagens Contadas em Contas”, projeto que revela a artista como uma alquimista de geografias sensíveis, tradutora de mundos visíveis e invisíveis.



No coração da Amazônia, nas margens do Tapajós, a artista ergueu sua câmera como quem ergue um ouvido. Não buscava o registro, mas a escuta. As fotografias, feitas sob a sombra imensa da Samaúma — árvore-mãe e guardiã de mundos —, tornaram-se mapas de sensações. Ali, a lente captura mais do que a imagem: recolhe vestígios do invisível, camadas de história e um rumor ancestral que parece estar no ar.
Paulistana de origem, com formação em Farmácia Industrial, Administração de Produção e pós-graduação em Fotografia, Elaine Pessoa construiu uma trajetória singular em torno da imagem e da experimentação estética. Seu trabalho transita entre fotografia, gravura, instalação e livros de artista, sempre em diálogo com memória, natureza, tempo e espiritualidade. Representada pela Galeria Mario Cohen, suas obras já circularam por museus e coleções no Brasil e no exterior, consolidando um percurso que combina pesquisa rigorosa e sensibilidade rara.
As contas, pequenas e cintilantes, surgem como fios que costuram esse território invisível. Herdeiras de um passado de trocas e imposições, são também símbolos de resistência e espiritualidade. Em suas instalações, não são ornamento, são presença. Cada uma delas, ao lado das imagens, parece guardar segredos encantados, cantos de rituais, águas que correm e cores que sangram.
Elaine não busca o documental, mas o revelado. Sua obra se aproxima daquilo que permanece oculto — uma atmosfera que une natureza e cultura. Fotografias, gravuras e instalações se transformam em um território imersivo, onde a arte deixa de ser registro para se tornar rito.


Há um diálogo silencioso entre peso e leveza: entre a densidade das fotografias e a suspensão das miçangas no espaço expositivo. Os azuis e brancos evocam rios e ventos; o vermelho, a seiva e o sangue; o dourado, a luz que arde no interior da floresta. E, no entrelaço desses elementos, nasce uma paisagem mais sensorial do que visível — um espaço para que o olhar desacelere e se torne corpo. A Amazônia não é apenas cenário, mas presença viva, memória coletiva e guardiã de mitos que persistem.
Esse trabalho é também um gesto político: lembrar que a Amazônia não é apenas cenário, mas presença viva, memória coletiva e guardiã de mitos que persistem. Ao deslocar miçangas — objetos minúsculos e, ao mesmo tempo, imensos em significado — para o centro da experiência, Elaine convida a ver a arte como lugar de reconciliação entre tempos, povos e formas de existir.
Pequenas e aparentemente frágeis, essas contas ganham protagonismo como partículas sagradas, símbolos de trânsito entre forças e saberes: carregam memórias indígenas, papéis afrodiaspóricos, trocas coloniais e resistências. Libertam cor, energia e cifras na paisagem da instalação, instaurando atmosferas de silêncio e reverência — brilhos entre o branco da água, o dourado do sol, o verde da floresta.
Há algo de rito na maneira como tudo se organiza: imagem, som, cor, espaço e silêncio. “Imagens Contadas em Contas” é travessia — um convite a se deixar tocar por aquilo que vibra mesmo quando não se vê. Porque, ao final, a floresta e suas miçangas permanecem ali, cintilando, lembrando-nos que o que reluz, na obra de Elaine Pessoa, não é apenas luz — é permanência.

