Quando a Pintura Reescreve a Realeza
Adriana Soares
Para esta edição especial da ArtNow Report - França, a pintura de Adriana Soares se dedica a ir além de ilustrar o visível. Ela dialoga com o tempo, visita o passado e devolve ao presente aquilo que a história deixou em silêncio. Cada traço seu carrega uma reverberação que atravessa séculos, como se, ao molhar o pincel, ela também mergulhasse na história. A artista viajou a Paris e, como quem respira o passado, trouxe na bagagem mais do que referências visuais: trouxe ecos de Versailles, perfumes de jardins esquecidos e as cicatrizes douradas de um tempo de opulência e contradição.



Em suas novas obras, Adriana volta seu olhar para figuras que habitaram o universo palaciano francês, pintando a delicadeza de Maria Antonieta com a precisão de uma cronista sensível e a liberdade de uma artista apaixonada. Maria Antonieta, para ela, emerge como uma figura "icônica e controversa", "grande representante do estilo Rococó". Uma "influencer" com "forte personalidade", que desperta "amor e ódio" para os franceses e é associada à Revolução e à guilhotina. Em sua pintura, a rainha aparece envolta em um cisne negro — metáfora visual que simboliza a beleza e o destino trágico de quem foi ao mesmo tempo ícone de luxo e vítima da guilhotina. O fundo dourado de sua pintura sussurra sobre a nobreza francesa, enquanto a paisagem ao redor remete aos jardins de Versailles — aquele espaço onde o esplendor convivia com os primeiros sinais de um tempo em colapso.
Essa admiração se estende a Madame Jeanne Du Barry, figura que a artista confessa ter "amado pintar" e que para ela surge como símbolo da "fragilidade e contradição do antigo regime". Fascinada pela história dessa mulher de origens humildes que chegou ao coração do poder francês, Adriana nos apresenta um olhar onde fragilidade e força se entrelaçam. Relatos a descrevem como "gentil, generosa, ajudava artistas e pobres", traços que talvez se reflitam na expressão do seu olhar, nas flores, nas cores, elementos que para a artista "ficaram perfeitas" nesta que foi a obra que "mais a emocionou ao concluir". A expressão de Jeanne na pintura não é apenas um retrato; é quase um espelho emocional.
A essência que a fascina em Versailles é o "encontro de dois estilos predominantes", o monumental Barroco Clássico de Luís XIV e o leve Rococó de Luís XV, com suas "cores claras, motivos florais e cenas galantes". Adriana "ama" esses estilos e tenta incluí-los em seu trabalho, utilizando "folhas de ouro, cores metálicas, detalhes e pinceladas mais clássicas". Essa mistura de teatralidade e romantismo se reflete em sua técnica, que incorpora esses metálicos sutis e uma paleta de cores que flutua entre o etéreo e o dramático. Há uma harmonia arquitetônica em cada composição — reflexo, talvez, da precisão que vem de sua formação inicial como cirurgiã dentista, agora sublimada em arte.


Mas é nas flores que Adriana parece encontrar seu idioma mais íntimo. Rosas, peônias, hortênsias — todas traduzidas em aquarelas que respiram leveza, mas carregam o peso simbólico da história. Suas "Flores Europeias" são mais que botânicas: são narrativas silenciosas de um Velho Mundo onde cada pétala pode contar um segredo. Para Adriana, de fato, as flores carregam "memórias históricas". Elas a fazem "viajar no tempo" tanto pela espécie em si — peônias, rosas associadas à Europa, Versailles, o período clássico — quanto através de artistas que as retrataram, como Pierre Joseph Redouté (evocando o clássico, científico) e Monet (transportando-a pela "Belle Époque", auge da elegância, do luxo e da arte). Suas pinturas botânicas, conhecidas como "Flores Europeias", são "botânicas muito românticas" que, em seus tons e formas, transmitem esse "ar mais clássico transportando as pessoas para o 'velho mundo'." Rosas e peônias, em particular, representariam Maria Antonieta, por serem "luxuosas, aristocráticas, belas e complexas".
No ateliê, Adriana recriou Versailles com seus próprios rituais: livros de arte, filmes históricos, trilhas sonoras francesas e até perfumes com fragrâncias aristocráticas fizeram parte do processo criativo. Até os materiais escolhidos — papéis e tintas francesas, de tradição centenária — carregam a intenção de transformar cada obra numa carta visual endereçada ao passado.


