Pontos de Conexão

Justina D’Agostino

Graduada em arquitetura pela FAAUSP em 1977, Justina iniciou sua incursão no mundo da arte em 1983, onde desde então vem construindo uma trajetória repleta de realizações e reconhecimento.
Seu interesse pelas artes plásticas transcende o mero domínio técnico, impulsionado por uma profunda convicção na capacidade da arte de conectar pessoas através de seus desenhos. Para Justina, suas obras são convites para explorar um mundo de narrativas e conexões, onde as linhas traçadas se convertem em pontes entre diferentes perspectivas e experiências.
O estilo artístico de Justina é intrinsecamente ligado à sua visão de mundo, refletindo uma fusão de observação meticulosa e interpretação criativa. Seu processo de pintura é uma espécie de diálogo constante com o entorno, onde pinceladas são reflexões de sua percepção sensível dos elementos que a cercam. Como uma escritora de histórias visuais, ela transforma suas experiências cotidianas em composições vívidas, destacando nuances e detalhes que capturam a essência do momento.
Suas obras, marcadas pela beleza e pela profundidade emocional, são testemunhos da sua busca incessante pela expressão autêntica e pela conexão humana.
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Justina D`Agostino compartilha aqui na ArtNow Report suas reflexões sobre a cultura e a arte dos Emirados Árabes Unidos. No início de sua carreira foi premiada pelo professor Pietro Maria Bardi, numa exposição coletiva no Instituto de Engenharia, em 1989, que justificou a premiação por ser uma artista que seguia linha de tradição pelo tema que pintava : os trabalhos eram compostos por figuras em naturezas mortas fragmentadas em óleo e colagens. Para ele, uma artista de tradição era facilmente reconhecível pelo tema que pintava. Desde 2017, em seu mais recente ateliê, a figura humana tem sido o fio condutor de seu trabalho.
Nesta entrevista exclusiva, exploramos como sua obra se conecta ao vibrante ambiente artístico dos Emirados Árabes Unidos, um país onde o tradicional e o moderno coexistem de forma singular.

ArtNow Report: O ambiente artístico dos Emirados Árabes Unidos tem se expandido rapidamente, especialmente com a criação de novos museus e a realização de eventos internacionais. Como você vê o papel dos Emirados na cena artística global e sua influência no desenvolvimento de artistas locais e internacionais?

Justina D`Agostino: Sabemos que nos Emirados Árabes Unidos a cultura se desenvolve principalmente em torno da cultura árabe tradicional e islâmica. Sabemos, entretanto, como o país se desenvolveu e vem se desenvolvendo pela mão de obra de outras culturas. Isso gera influências locais diretas, refletindo como consequência no panorama internacional. A prova disso são as feiras anuais da Art Dubai, que vem ocorrendo no complexo Madinat Jumeirah já na sua 17ª edição de 1 a 3 de março deste ano. Acredito ser um caminho para uma abertura em prol de uma maior diversidade tanto de representação quanto de acessibilidade à arte em termos locais e globais, Complementando esse panorama com as galerias que se focam atualmente no mercado de arte contemporânea, com um intercâmbio mais seletivo e propício a artistas já consagrados.

ArtNow Report: Sendo uma artista que trabalha com tradição e fragmentação por intermédio da figura humana, você percebe alguma conexão entre sua obra e a cultura dos Emirados, na questão tradição e modernidade coexistem de maneira singular?

Justina D`Agostino: A série que apresento aqui como Conexões e a forma como cada representação me leva a um título em particular apenas como referência de um processo que se deixou representar deve responder a essa pergunta. Caso contrário ainda tenho muito mais do que pensava a ser feito. E, com certeza, tenho. Mas acredito que sempre conseguimos de alguma forma, vindo de uma tradição que passou pelo impacto da modernidade com filtros de reflexão, ser contemporâneos.

ArtNow Report: Os Emirados Árabes Unidos são conhecidos por sua arquitetura futurista e tradições culturais. Como você acha que esse equilíbrio entre o novo e o antigo influencia a criação artística do país?

Justina D`Agostino: A arquitetura sempre foi considerada a arte maior que gera outras artes. Sabemos hoje que ela se posiciona em avanço de poder pela altura conquistada de seus arranha céus. Hoje os Emirados Árabes Unidos com o seu Burj Khalifa com 828 metros, desenvolvido por Skidmore, Owings & Merril, com o interior totalmente decorado pelo estilista Giorgio Armani, está como o mais alto do mundo, É natural que isso estimule um ritmo de crescimento em paralelo ou mesmo circular, de acordo com as circunstâncias de interesse entre o que se quer manter e o que se quer modificar dentro do contexto no qual o poder dita as regras de sua tradição. O equilíbrio estará sempre entre a ousadia do artista e a flexibilidade de quem detém o poder, precisando esse estar aberto, abrir mão da posição de ser e ter, para a de pertencer.

ArtNow Report: Os artistas locais estão explorando questões sobre a migração e a vida em uma nação multicultural. Como você, ao trabalhar com a fragmentação da figura humana, enxerga essas questões se refletindo na arte contemporânea dos Emirados Árabes Unidos?

Justina D`Agostino: Acredito que todo artista, direta ou indiretamente é um ser político por natureza. A forma como cada um atua e os meios de que dispõe revelam isso. No meu caso se dá da forma mais simples possível, pois afirmo constantemente que pinto como se escrevesse, e no meu dia a dia trago a figura humana, pois me vejo nela como a linha primordial para a conexão de pontos, que possam dar a cada experiência vivida configurações a um mundo mais solidário. O fragmento em si é uma identidade singular, mas ganha significado e plenitude quando encontra seus pares, quando permite entrelaçamentos que se respeitam mutuamente em harmonia, dentro de uma estrutura única. Isso, com certeza, para mim é estar em plenitude com o mundo contemporâneo, com toda minha tradição.

ArtNow Report: Na sua visão, qual é o papel da arte na promoção do entendimento e do diálogo entre diferentes culturas, especialmente ao homenagear uma região como os Emirados Árabes Unidos, com sua rica diversidade cultural?

Justina D`Agostino: O papel principal da arte ainda está por se firmar que é o de constatarmos sua inutilidade geral em prol de sua necessidade total. Trazer sempre à tona a relação entre poder e ser, nos colocando em reflexão sobre a questão entre fazer e tornar sensível, para simplesmente nos darmos conta que existimos e não estamos sós.

ArtNow Report: Qual é a sua percepção sobre semelhanças ou pontos de conexão entre as expressões artísticas do Brasil e dos Emirados Árabes Unidos?

Justina D`Agostino: A sensibilidade é algo singular, mas a arte se manifesta pelo encontro e desencontro entre matéria e objeto num mundo de cores. Todo artista passa por um processo que o conecta a todos os outros artistas. Podemos, portanto, falar de semelhanças ou pontos de conexão justamente por esse percurso que é universal, e se manifesta de acordo com a opção que cada artista toma para si dos meios de que dispõe. Entre Brasil e Emirados, de forma mais abrangente, acredito termos a profusão do ornamento deles comparados com riqueza de nossa arte indígena, conciliado a riqueza da paleta de cores deles, temos a profusão de cores em nossos artistas ingênuos e no artesanato em geral . E aos artistas de modo geral, as galerias lá existentes refletem todo tipo de semelhança ou conexão que porventura possam estar acontecendo aqui e ali.
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ArtNow Report: Para finalizar, Justina, gostaríamos de saber sua visão sobre o compartilhamento da arte brasileira e a dos Emirados Árabes Unidos. Como você vê essa relação e como acredita que ambos os mundos artísticos podem aprender um com o outro? Sua perspectiva sobre essa conexão seria uma contribuição valiosa para entendermos melhor o diálogo entre essas culturas tão ricas e distintas.

Justina D`Agostino: Todo e qualquer compartilhamento sempre favorece as partes de quem os propicia se for feito de forma equilibrada e consciente, indo além dos interesses individuais. As conexões, quando abertas a uma diversidade de pensamentos e representações, sempre se mostram valiosas para incrementar a evolução de culturas e trazer com isso a possibilidade não apenas de entendermos o diálogo, mas torna-lo imprescindível para os avanços necessários para que toda tradição possa se adequar, para com isso possibilitar a cada nova visão de cultura, a que melhor estabeleça o direito por tempo e lugar a toda e qualquer identidade viva.

Fotografia: Thales Trigo

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