O Artivismo e a Evolução da Arte Urbana

Tinho

Tinho, um dos grandes nomes da arte urbana e muralista, compartilha conosco suas experiências e visões sobre o impacto de seu trabalho, suas influências culturais e o futuro da arte de rua. Em uma conversa franca, ele nos guia através de sua jornada artística e nos oferece um olhar profundo sobre o papel da arte urbana na sociedade contemporânea.
Vamos explorar como Tinho usa o graffiti como uma forma de artivismo, suas vivências no Japão e na China, e como ele vê a evolução da arte urbana no Brasil e no mundo.
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ArtNow Report: Qual foi o impacto de utilizar o graffiti como forma de artivismo, especialmente ao retratar crianças desaparecidas nas paredes?

Tinho: O impacto é muito grande. Tem até um termo que designaram pra isso: 'Arte de guerrilha'. O graffiti tem o poder de atingir as massas, não só pelo fato de estar em grandes corredores de circulação mas também pela sua facilidade de compartilhamento por mídias espontâneas.

ArtNow Report: Como sua vivência nas movimentadas ruas de São Paulo influenciou sua técnica e sua visão da arte urbana?

Tinho: Ter que pintar rápido, criar, improvisar, se adaptar a situações imprevistas e até inimagináveis, tudo isso é muito enriquecedor para um artista. Entender como os símbolos, cores e formas têm leituras totalmente diferentes entre pessoas que circulam no mesmo lugar também te dá um novo entendimento sobre comunicação visual. Sem contar a parte política de ter que negociar com as pessoas e se relacionar com elas durante a execução do próprio trabalho.

ArtNow Report: Poderia compartilhar algumas das principais inspirações que alimentam sua criatividade e sua arte urbana?

Tinho: O que mais me inspira são as pessoas e os contextos que se apresentam nos lugares onde eu vou pintar. Entender a geografia, a política, o social de cada lugar bem como o momento presente e tudo o que se apresenta nele são combustíveis altamente inflamáveis para que eu possa criar algo.

ArtNow Report: Como você imagina o futuro da arte de rua, especialmente em um mundo cada vez mais conectado e globalizado?

Tinho: Tenho visto muita gente se movimentando pelo lado da performance que envolve o pintar na rua. O artista ali naquele momento também é um ator, um dançarino. E aquele momento criativo passa a se tornar um momento performático. Daí a levar isso tudo para um ambiente de rede social com vídeos e edições onde se misturam sons, músicas, efeitos especiais, computação gráfica, metaverso, gamificação, etc. Estamos apenas começando a brincadeira.

ArtNow Report: Como você vê o papel dos artistas de rua famosos, como Banksy e Shepard Fairey, na popularização e na evolução da arte urbana globalmente?

Tinho: Acho que não só eles, mas todo e qualquer artista que atua nas ruas tem a sua importância na popularização e na evolução da arte urbana globalmente. Ter mais reconhecimento ou mais mídia não necessariamente indica mais relevância ou mais poder de direcionamento para algo que tem em sua essência a anarquia e a liberdade. Eu penso que cada indivíduo tem a sua contribuição e quando alguém desponta para o sucesso muitas vezes isso é motivado por uma série de variáveis que envolvem muito mais do que apenas as pinturas feitas nas ruas.

ArtNow Report: Como você enxerga a relação entre a arte de rua e a cultura local em diferentes partes do mundo, e de que forma isso influencia a diversidade e a riqueza da arte urbana?

Tinho: A arte de rua é uma arte baseada em livre manifestação. Não existe crivo. Não existe filtro. As pessoas simplesmente vão lá e fazem o que bem quiserem, onde quiserem, quando quiserem, da maneira que quiserem. Claro que todo ato tem a sua consequência e muitas vezes a consequência é a repressão e as penas são severas. Por todas essas características, a cultura local influencia muito a produção de arte urbana e a sua diversidade em cada parte do mundo.
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ArtNow Report: Como sua experiência no Japão influenciou sua arte e sua compreensão das relações culturais entre Brasil e Japão?

Tinho: Morar no Japão me ajudou principalmente a entender a forma como meus pais, avós e tios agiam e se relacionavam entre eles e também comigo. Ter esse entendimento me ajudou a ter uma outra perspectiva em relação ao Brasil e aos brasileiros, uma vez que nosso país é formado por muitas culturas vindas de todas as partes do mundo. Entender a parcela japonesa disso tudo me ajuda também a entender todas as outras parcelas... portugueses, italianos, espanhóis, alemães, árabes, angolanos, nigerianos, etc. Como minha pesquisa artística se interessa na formação da identidade humana, entender esses aspectos culturais que vêm através de laços íntimos tão distantes mas ao mesmo tempo tão próximos, ter tido essa visão a partir dessa experiência é muito enriquecedor.

ArtNow Report: Poderia nos contar sobre sua residência artística na China e como isso influenciou sua visão da arte contemporânea e da street art?

Tinho: A China é um player muito importante da arte contemporânea. Entender a forma como eles vêem a arte contemporânea e a arte urbana é muito bom para se desenvolver um outro olhar. Ver como o estado fomenta e controla essa produção também é importante até para entendermos como esse fomento e controle se dá aqui no Brasil e em outras partes do mundo onde também já estive.

ArtNow Report: Como você desenvolveu sua técnica de usar as estruturas urbanas como parte integrante de suas obras, indo além das paredes convencionais?

Tinho: Conforme eu fui produzindo meus trabalhos nas paredes, eu entendi que em volta das paredes haviam outros elementos. Muitas vezes até mesmo nas próprias paredes eu encontrava elementos que pediam para que eu me relacionasse com eles. Entender que apenas ignorá-los ou apagá-los muitas vezes não era a melhor escolha foi fundamental para entender que cada lugar tem sua particularidade e que, quase sempre, era muito melhor chegar ali antes e ficar observando tudo o que envolvia aquele lugar para depois entrar em ação e pintar, era sempre muito melhor do que chegar com um desenho feito em casa pra pintar naquele mesmo lugar. A partir daí, incorporar esses elementos ao trabalho foi apenas uma consequência desse jogo de observar. E depois quebrar o limite da parede e incorporar também outros elementos que faziam parte da paisagem visual mas que não faziam parte da parede como postes, árvores que estavam por trás da parede, a própria calçada, etc. Hoje isso tudo parece muito óbvio, mas na época foi uma inovação que surpreendia as pessoas.

ArtNow Report: Quais são alguns dos desafios enfrentados pelos artistas de rua no Brasil em comparação com outros países, em termos de reconhecimento, apoio institucional e aceitação social?

Tinho: Eu penso que em muitos momentos temos mais vantagens principalmente em relação ao reconhecimento da opinião pública e até mesmo na mídia. Por outro lado, temos muitas outras desvantagens como por exemplo o custo do material. Aqui uma lata de spray ou um litro de tinta látex é muito mais caro e com uma qualidade muito menor do que na Europa, por exemplo. Outra coisa é em relação ao suporte e o fomento aos artistas. Aqui as pessoas reconhecem e gostam das produções mas dificilmente compram e/ou contratam esses artistas para trabalhos remunerados. Em países mais desenvolvidos existe uma rede de suporte e fomento que permite que esses artistas se mantenham produzindo até a sua profissionalização. Institucionalmente falando, creio que não haja muita diferença pois penso que exista muito preconceito institucional em todos os lugares onde a arte atua nas ruas porque as instituições ou são controladas pelo estado ou por empresas que estão ligadas ao estado. E o estado nunca vai fazer eco para as palavras que vêm do povo.

ArtNow Report: Quais são as principais diferenças e semelhanças entre a cena da arte de rua no Brasil e em outros países, em termos de estilos, técnicas e temas abordados?

Tinho: O Brasil é reconhecido em outros países pela sua rica diversidade de produção e principalmente por ter uma produção muito grande de imagens. Em outros países a arte urbana é mais produzida em forma de letras estilizadas e desenhos rápidos. Isso porque aqui no Brasil se entende a arte de rua como uma coisa mais artística mesmo. Enquanto nos outros países está mais ligada a um movimento chamado graffiti. Ser mais artístico leva a uma maior aceitação da opinião pública e a criações mais decorativas. Estar ligado a um movimento de contracultura que luta contra um sistema e tem como base o vandalismo e a auto-promoção leva a criar uma imagem mais agressiva, com menor aceitação da opinião pública e a uma produção mais verdadeira no sentido de ter essa produção como único fim do ato de fazer.

ArtNow Report: Como você percebe o papel das autoridades locais e das políticas públicas na promoção e na proteção da arte de rua, especialmente em áreas urbanas densamente povoadas?

Tinho: Depende muito de lugar pra lugar. Aqui no Brasil estamos bem evoluídos em relação a outros países, principalmente por causa dessa conquista da opinião pública em relação ao que é produzido aqui. Isso acaba forçando o estado a criar equipamentos de fomento e controle através de criação de editais, festivais, censura, apagamentos, proibições e repressão.

Cada mural, cada grafite é uma janela aberta para a alma da cidade, refletindo suas alegrias, desafios e esperanças.

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ArtNow Report: Quais são algumas das tendências emergentes na arte de rua atualmente, tanto no Brasil quanto no mundo, e como você se posiciona em relação a essas tendências?

Tinho: O incentivo a artistas mulheres, principalmente, é uma tendência aqui e no mundo. Eu sou de acordo. Creio que precisamos de um mundo mais igualitário e justo.

ArtNow Report: Quais são os principais espaços e eventos que impulsionam a cena da arte de rua no Brasil, e de que forma eles contribuem para a visibilidade e a valorização dos artistas de rua?

Tinho: São os festivais de arte urbana. Com pinturas de empenas de prédios em pontos estratégicos nas cidades. Estando em locais estratégicos com mega murais gigantes fica difícil passar pela cidade sem vê-los. A valorização vem pelo pagamento pela realização do projeto. Pela dimensão, pelo risco de vida e pelo tempo de trabalho, esses projetos sempre têm uma boa remuneração. E, após a realização, fica ali um painel enorme mostrando o seu trabalho pra todos que circulam por ali, sem contar a mídia espontânea que isso gera.

ArtNow Report: Quais são os espaços icônicos da arte urbana em São Paulo que os visitantes não devem deixar de conhecer, e por que eles são tão significativos para a cultura da cidade?

Tinho: Cambuci, Glicério e Tucuruvi são os bairros onde o graffiti como movimento nasceu em São Paulo. O Beco do Batman e o Túnel da Av. Paulista são lugares onde o graffiti sempre se manifestou com força. Além desses, a Favela Galeria, o Vilinha Ateliê, o Grajaú, o Perusferia, o Largo da Batata, o Minhocão e o MAAU são alguns dos espaços icônicos da arte urbana na cidade. Há muitos outros lugares, especialmente nas periferias, onde vielas, praças, parques e ruas exibem uma rica diversidade artística. Nos bairros periféricos, esses espaços são particularmente significativos, pois muitas vezes são a única oportunidade para as pessoas terem contato com algum tipo de arte. Já nos bairros centrais, esses locais são importantes porque demonstram a força e a potência da cultura que está sendo criada aqui. Essa cultura nasce do diversificado caldo cultural do Brasil e, muitas vezes, é mais valorizada no exterior do que pelos próprios detentores do poder no país.

ArtNow Report: Quais são as principais mudanças ou evoluções que você testemunhou na cena da arte urbana em São Paulo ao longo dos anos, e como isso reflete a própria transformação da cidade?

Tinho: A cena da arte urbana em São Paulo começou com um grupo de artistas que estudavam na FAAP e na ECA, influenciados por um professor etíope que passou pela Europa antes de vir ao Brasil. Esses artistas foram seguidos por jovens que decidiram pintar a cidade inteira, expandindo para o interior, litoral, outros estados, Argentina e Chile, espalhando essa cultura por toda a América Latina. Com o tempo, essa cultura se organizou, gerando mídias de todos os tipos: filmes, documentários, revistas, livros, sites, redes sociais. Também impulsionou indústrias de tinta, moda, entretenimento, além de comércio, lojas, galerias, escolas e pontos de cultura. A arte urbana transformou menores infratores em cidadãos produtivos e virou tema de campanhas publicitárias para as principais marcas do mundo em todos os setores. Hoje, ela se institucionalizou, se comercializou, se revoltou contra isso e vive um momento de auto-reflexão e transitoriedade, buscando sua própria identidade e futuro.
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ArtNow Report: Como você descreveria a cena da arte urbana em São Paulo atualmente e quais são os principais artistas ou movimentos que estão moldando essa cena?

Tinho: Estamos vivenciando um período de transição na cena artística. Novos artistas estão surgindo, enquanto muitos veteranos estão desaparecendo. Há grupos que buscam poder e outros que tentam resgatar a essência do movimento Graffiti. Alguns artistas estão focados em vender suas obras em galerias, enquanto outros tentam se inserir no circuito da arte contemporânea. Percebo que certos produtores têm moldado a cena mais do que os próprios artistas. Eles convidam artistas para seus projetos, muitas vezes realizados em empenas estratégicas da cidade e com boa remuneração. Além disso, os editais que surgem têm critérios particulares de seleção, determinando quem pode ou não receber apoio estatal. Apesar disso, existe uma resistência forte que luta contra essas mudanças e influências, tentando manter a autenticidade e a essência do movimento Graffiti.

ArtNow Report: Qual é a mensagem ou o impacto que você espera transmitir através de sua arte de rua, tanto para os espectadores quanto para a sociedade em geral?

Tinho: Gosto de chamar a atenção das pessoas para as próprias pessoas. Somos seres sociais. Dependemos uns dos outros. Coexistir não é uma tarefa fácil. Saber viver junto é uma prioridade.

ArtNow Report: Por fim, o que você espera que as pessoas possam aprender ou apreciar ao explorar a rica e diversificada cena da arte urbana em São Paulo?

Tinho: Eu acho que depende dos artistas provocarem qualquer movimento que leve a um aprendizado ou apreciação. Porque uma vez que isso acontece, tudo o que vem depois é uma consequência. Temos uma boa história, temos uma produção numerosa e pra todos os gostos, temos uma grande diversidade de artistas e produções. Somos reconhecidos internamente e no mundo todo. Mas toda essa informação só chega se as pessoas forem atrás. E elas só irão atrás se forem provocadas.

A arte urbana é a voz dos que muitas vezes não são ouvidos, transformando paredes em narrativas vivas que falam ao coração de todos.

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A entrevista com Tinho revela mais do que apenas a trajetória de um artista; ela nos convida a refletir sobre o poder transformador da arte urbana e seu papel vital na sociedade contemporânea. Através de suas experiências no Japão, na China e em outros lugares, Tinho demonstra que a arte de rua não conhece fronteiras, e seu impacto é universal. Sua abordagem ao graffiti como uma forma de artivismo, combinada com uma profunda conexão com suas raízes culturais, nos mostra que a arte é uma ferramenta poderosa para provocar reflexão, mudança e diálogo.
Encerramos esta conversa com uma sensação renovada de admiração pelo trabalho de Tinho e pela arte urbana em geral. Sua visão para o futuro da arte de rua no Brasil e no mundo nos inspira a olhar para nossos próprios espaços urbanos com novos olhos, vendo potencial e beleza onde antes havia apenas anonimato.
Instagram: @tinho23sp
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