Quando o Vermelho Assume o Palco
Patrícia Siqueira
A cor vermelha pulsa, respira, se expande. Na obra de Patrícia Siqueira, esse tom intenso não é apenas uma escolha cromática, mas uma força vital que guia sua expressão artística. Se o movimento sempre foi a essência de sua criação, o vermelho surge como um protagonista absoluto, intensificando fluxos, deslocamentos e energias que atravessam suas pinturas. Multiartista brasileira, Patrícia desafia as fronteiras entre a dança, o teatro e as artes plásticas, criando uma linguagem singular que ecoa a tensão e a liberdade do corpo em movimento.
Para Patrícia, a dança é a gênese, o ponto de partida para toda a sua expressão criativa. "A dança é um desenho no espaço, uma maneira de colocar o corpo no mundo," afirma. Essa visão permeia sua abordagem da pintura, onde as memórias corporais das linhas traçadas por bailarinos em cena - quedas, saltos, encontros e desencontros - traduzem-se em volumes, sombras e contornos que refletem sua coreografia interior. O corpo, para ela, é instrumento de ação, agente de um embate de força e resistência que se manifesta na tela.
É nesse universo de formas em movimento que o vermelho surge como protagonista. Questionada sobre o significado da cor em seu processo criativo, Patrícia responde sem hesitar: "Impacto, vida, vibração, pulsação. O vermelho está em nós." Para ela, a cor é universalmente o símbolo fundamental do princípio da vida, com sua força, poder e brilho. É o fogo central do homem e da terra, do ventre, da alma, da libido e do coração.
O vermelho, para Patrícia, não é apenas uma cor, mas uma força vital que intensifica o movimento em suas pinturas, fazendo-as pulsar. "Sim, ele faz a pintura pulsar", afirma com convicção. A cor remete ao sangue que corre nas veias, ao batimento constante e ao pulsar do coração, transmitindo a sensação de continuidade, de fluxo e de deslocamento.
Ao longo da história da arte, o vermelho tem sido associado ao poder, à revolução e à sensualidade. Qual dessas características ressoa mais com a obra de Patrícia? A resposta é imediata: a sensualidade. "Para mim, as composições são sensuais. O movimento traz sensualidade. Eu venho do movimento, da dança, do fluxo, da energia gerada pelo movimento. Para mim, um corpo em movimento é sensual."
Nesta nova fase, Patrícia buscou essa sensualidade nos corpos sinuosos das montanhas de Minas Gerais, que se revelam em suas telas com formas, bordas e pinceladas que os deixam prontos para uma composição orgânica e simples. "É prazeroso ver como esses corpos surgem, como surgem suas formas, suas bordas, as pinceladas que os cobrem e que os deixam prontos para uma composição orgânica e simples." Cor e forma não se confundem, são simultâneas. As formas não se comunicam totalmente, são solitárias e donas de si, avizinhando-se, procurando uma aproximação do próximo corpo. Corpos que se expandem invadindo o papel, carimbando a sua presença, registrando sua existência em direções diversas, trazendo força para o conflito entre o que está e o que falta.
Patrícia acredita que o vermelho tem um impacto tão forte no inconsciente coletivo por ser a cor do sangue, do fogo, do crepúsculo, da paixão, de tudo que é forte, tudo que remete à origem da vida. Para ela, o vermelho vivo, diurno e solar incita à ação. Na dança e no teatro, a ação é gerada pelo corpo físico presente e sempre frequente, mesmo no seu estado passivo, de pausa e respiração. Uma experiência que ela transportou para as artes plásticas.
O uso do vermelho exigiu uma mudança na sua técnica e abordagem. "Sim. A de ter a consciência que ele rouba a cena. Ele chega primeiro, ele causa impacto. E faz com que você entre na obra através dele. A minha primeira impressão é que as outras cores se sujeitam ao vermelho."
Para Patrícia, as cores vieram para ficar em sua arte. Tanto na pintura com as cores, quanto no preto e branco, ela utiliza a tinta pura, sem mistura, buscando a essência da cor, sua crueza e beleza, a expressão básica, crua, nua, rude e sintética. "Comunicação breve, resumida. O processo de criação é contínuo. É uma necessidade. Como ele irá seguir, não sei dizer."
Além do Vermelho
Mas o vermelho, embora fulgurante, não é a única estrela desse firmamento cromático. Patrícia, em sua busca incessante pela essência da cor, também se entrega à pureza do azul, à exuberância do amarelo, à profundidade do verde, à energia vibrante do laranja e à mística contemplativa do roxo, criando composições que ecoam a diversidade e a riqueza da natureza. Cada tonalidade, utilizada em sua forma mais elementar, sem artifícios ou misturas, revela a maestria da artista em capturar a alma da cor, transmitindo a emoção em sua forma mais genuína e visceral.




