Corpo, Gesto e Floresta
Patrícia Siqueira
Para a artista multidisciplinar Patrícia Siqueira, a pintura começa antes do pincel tocar a tela. Ela nasce na memória de seu corpo, no impulso de um salto, na tensão de um músculo e se transforma no gesto que desenha no espaço. Sua arte não é uma imagem estática, mas o rastro de uma coreografia interior, um embate de força e resistência que se traduz em cor e forma. Quando ela se volta para a Amazônia, ela não busca representar a floresta, mas compor com ela.


O gesto de Patrícia se expande como um rio procurando suas margens. Como a água, suas linhas seguem forças invisíveis, contornam resistências, bifurcam-se e se reencontram. O suporte, tela ou papel, torna-se o chão da floresta, onde corpos se espalham e se refazem. Em sua obra, as três forças da Amazônia: abundância, fragilidade e resistência não são temas, mas parceiras de composição. A abundância se revela nas camadas vibrantes de tinta e papel, a fragilidade se mostra nas bordas rasgadas, "como uma folha que se curva com o vento" e a resistência pulsa no gesto que retorna, na cor que se recusa a ser apagada.
A conexão com o mundo natural é visceral e metodológica. Assim como na floresta, em suas telas não há um protagonista único. Existe um corpo coletivo onde "o que se move e o que faz mover se fundem". “A árvore não é só presença, ela é instrumento do vento, sombra para o solo, casa para o inseto. A ação não está centralizada. É difusa, coletiva.” Suas obras são porosas, abertas, permeáveis às forças que não se controlam. Elas aceitam o que surge como parte da obra, como na dança, onde o corpo se deixa atravessar pelo voo de um inseto, pelo sopro do vento, pela água que corre.
Há nelas a mesma lógica de um organismo vivo: nada é centralizado. As cores, transparentes ou intensas, surgem como respirações e os espaços como pausas de silêncio denso. Se fosse um animal, diz Patrícia, seria pássaro: “eles carregam a leveza, o impulso para o alto, a liberdade de existir entre planos e são semeadores ”. E talvez seja isso que torna sua obra tão urgente: ela semeia uma outra forma de olhar, mais próxima daquilo que é orgânico, instável e essencialmente vivo. Diante de suas pinturas compreendemos que a arte, assim como a floresta, é feita de fluxos. Não busca um fim nem uma forma definitiva. Busca relação, escuta e presença.



A arte de Patrícia Siqueira, ao final, torna-se um manifesto silencioso, uma dança de "raízes e asas" que "insiste em brotar". Ela nos ensina o que a própria floresta sussurra: que o tempo pode ser matéria de construção e não de perda.
Mesmo em um mundo que nos provoca descompasso é possível reencontrar um ritmo. Como ela mesma conclui sobre a floresta, “é possível continuar mesmo depois da queda”.

