Vidas em Cor

Ijanes Guimarães

No universo cromático e profundamente humano de Ijanes Guimarães, a tela não é apenas superfície, mas um espelho generoso onde cada espectador pode encontrar um fragmento de si.
Nascida em Antônio Almeida - Piauí e com trajetória construída em Imperatriz, no Maranhão – Brasil, Ijanes não separa sua prática como artista de sua trajetória como professora. Há 28 anos na educação, sua escuta é afiada, seus olhos atentos. Ali, entre os corredores das escolas, ela testemunhou o que muitos insistem em não ver: crianças negras tentando se encaixar em um padrão que as silencia, meninas excluídas pelo simples fato de existirem fora da estética dominante.
As protagonistas de suas telas são meninas que desafiam a norma, que florescem para além da "caixa minúscula" dos estereótipos. Negras, gordas, plenas em suas singularidades, elas são, para Ijanes, a personificação da verdadeira beleza – autêntica, pulsante, inegociável. A artista as imortaliza em momentos de pura vivacidade, a energia das brincadeiras traduzida em uma paleta de cores que canta a alegria, que celebra a inocência com a força de um sol que não se pede licença para brilhar. Suas texturas, um convite tátil, adicionam uma camada de ludicidade, aproximando a obra da experiência sensorial da infância.
Com uma paleta vibrante, quase onírica, ela reinventa o imaginário da infância. Em suas composições, há movimento, há texturas que saltam da superfície e parecem convidar ao toque. A artista mistura materiais, sobrepõe camadas, injeta energia e afeto em cada figura. E ao fazer isso, nos recorda: o brincar é um direito, e ser criança não deveria ser um risco - de exclusão, de invisibilidade ou de indiferença.
Ijanes pinta instantes preciosos com a leveza de quem sabe que o tempo é frágil — e que cada infância marcada pelo preconceito é uma tragédia silenciosa. Ao retratar essas meninas como centrais, completas e coloridas, ela constrói, tela a tela, uma nova forma de reparação: simbólica, amorosa, transformadora.
Sua obra é, ao mesmo tempo, denúncia e consolo. É um grito que não fere — acolhe. É arte que não apenas representa, mas restitui. Que não apenas mostra, mas refaz.
Mas é na ousada ausência de traços faciais – olhos, nariz, boca – que a arte de Ijanes revela sua mais potente e generosa provocação. Longe de ser um vazio, essa escolha é um portal. Ao subtrair o particular, a artista universaliza a experiência, permitindo que cada observador se projete naquelas figuras livres, que se reconheça na essência que transcende a forma visível. É um convite à introspecção, uma celebração da beleza que reside não na conformidade, mas na singularidade intrínseca de cada ser. Essa "face em branco" torna-se um espelho da alma, refletindo a liberdade de ser quem se é, sem a necessidade de aprovação externa.
A influência de sua formação em Biologia talvez sussurre em seu olhar atento ao desenvolvimento, à vida que precisa de espaço para vicejar sem amarras. Sua arte não é apenas um reflexo de sua paixão pelas meninas e suas brincadeiras, mas uma extensão de sua própria jornada de autodescoberta, um crescimento contínuo que se manifesta em cada pincelada carregada de intenção e afeto.
Sua obra é, em última instância, um ato de amor e resistência, um lembrete eloquente de que proteger é permitir que cada indivíduo floresça em sua forma mais autêntica, celebrada e, acima de tudo, vista. Ijanes Guimarães nos oferece não apenas arte para contemplar, mas um farol para um futuro mais inclusivo e respeitoso, onde cada criança e adolescente possa, simplesmente, ser.
artnow-report-arte-de-todas-as-formas-art-artistic-obra-de-arte-a-melhor-revista-de-arte
artnow-report-arte-de-todas-as-formas-art-artistic-obra-de-arte-a-melhor-revista-de-arte
artnow-report-arte-de-todas-as-formas-art-artistic-obra-de-arte-a-melhor-revista-de-arte
artnow-report-arte-de-todas-as-formas-art-artistic-obra-de-arte-a-melhor-revista-de-arte
error: Content is protected !!