O Silêncio Líquido da Cor
Dani Fontenelle
Dani Fontenelle não pinta o que vê, nem o que imagina. Ela pinta o que escorre. O que não pode ser contido. O que transborda do instante, da emoção, da própria matéria. Suas obras não nascem de um plano, mas de um mergulho — no imprevisível, no gesto, no encontro entre cor e gravidade.
Nascida em Recife, Pernambuco, e há cinco décadas residindo em Brasília, Dani é advogada, administradora e artista plástica autodidata. Essa pluralidade de caminhos não é acaso: é reflexo de uma mente inquieta, curiosa, profundamente sensível à beleza que não grita — mas pulsa. Seu ateliê, construído em meio à rotina e à escuta do mundo, tornou-se seu refúgio e seu palco. Ali, ela aprendeu a fazer da arte um espaço de liberdade absoluta.
Na pintura, encontrou uma linguagem que acolhe o risco e abraça o erro como parte do processo. Sua técnica é uma alquimia entre o domínio e a entrega: trabalha com tintas líquidas e acrílicas, guiada não por um desejo de controle, mas pela aceitação do que surge quando a matéria encontra o tempo. Cada tela é única, porque depende de condições irrepetíveis — densidade, temperatura, intuição, silêncio.
Dani explora sobretudo o campo da pintura fluida. Suas composições, orgânicas e oníricas, parecem nascer de um cosmos íntimo. São paisagens de energia, formas em transição, estruturas que flutuam entre o abstrato e o natural. Ali, cor e movimento formam um vocabulário visual que dispensa palavras: dizem com manchas o que o verbo não alcança. São mapas emocionais de algo que ainda está por vir — ou que, talvez, já passou, mas deixou rastros no coração.
Sua paixão pelo universo e pela natureza não se traduz em representações literais, mas na energia que infunde em suas telas. Dani parece sentir as mesmas forças de expansão e fluxo que movem as estrelas e os rios, e as traduz em cores e formas que ressoam com essa vastidão. É a alma da artista em diálogo com os grandes sistemas do mundo.
Essa entrega ao fluxo, esse respeito quase espiritual pelo inesperado que Dani cultiva, transforma suas telas em espelhos d’água que não apenas refletem o mundo exterior, mas que distorcem e convidam ao mergulho interior na paisagem da alma.
É impossível olhar para uma obra sua e sair ileso. A cor nos toca antes que a razão compreenda. A forma nos move antes que o nome surja. Cada trabalho é, mais do que uma pintura, um estado de presença. A artista não impõe narrativas: ela oferece atmosferas. Convida o olhar a se perder, o corpo a silenciar, o espírito a flutuar.
Dani Fontenelle transforma a pintura em território de transformação. Suas obras são atos de fé no invisível. Fragmentos de um mundo que não se explica — apenas se sente.E talvez seja justamente aí que reside sua força: na coragem de não dizer tudo. De deixar espaço. De permitir que a arte aconteça entre a tela e o observador — como um sopro, como um eco, como um instante eterno.

